sábado, 20 de dezembro de 2008

FILOSOFIA DE NADA

Enoque Araújo é um cidadão cheio de manias e excentricidades, mas como todos seus irmãos de uma inteligência inesgotável. Além de Jornalista sempre é um grande batalhador e defensor dos direitos políticos dos trabalhadores. Esquerdista por natureza sempre teve suas posições polemizadas e poucas entendidas numa sociedade conservadora como a lagartense. Mas aqui vai uma passagem além do que o bom senso e costumes possam merecer. Era uma noite de sábado e naqueles tempos costumávamos freqüentar a churrascaria do Pedro que ficava ao lado da estação Rodoviária. Dezenas de mesas ocupavam a rua e a sociedade local para lá fluía nos finais de semana. Enoque, João Brasileiro (seu irmão) Edilelson de Zé da manteiga, Paulo Correa, Marcos Monteiro, Hermenegildo, Ninha irmã de Enoque e tantos outros que não mais recordo estavam naquele bate papo animado. Toca-se um violão aqui, fala de outro assunto ali e a noite parecia que terminaria mais cedo. Finalmente. Enoque teve uma daquelas idéias brilhantes que só o álcool costuma produzir, propôs realizar naquele instante um simpósio para tratar da importância fisiológica e social da “merda que bate na água e da água que bate na bunda”. Seria um tratado de física ou filosofia? Não importa, deixemos o puritanismo de lado e vamos ao caso. Essa conversa tinha começado lá pela meia-noite quando a primeira rodada de cerveja acabara de ser retirada das mesas. Lembro quando Vasconcelos, filho do proprietário da churrascaria, chegou para nós e disse: pessoal, quantas cervejas vocês ainda vão querer porque o dia já amanheceu e temos de fechar? Pois é‚ já era domingo, um novo dia e ainda muita teoria tínhamos pela frente. Marx, Hengel, Platão, Sócrates, será que os grandes mestres não poderiam solucionar aquela difícil questão? Cansados e embriagados fomos deixando a filosofia de lado e cada um foi seguindo seu caminho para casa. Passaram-se os dias e a problemática foi esquecida. Hoje em dia, fico observando como a maioria das pessoas leva a vida com muita seriedade, assumindo uma postura sisuda esquecendo o tempo das molecagens, tão fértil e descontraída.

PRESÍDIO CABRUNCO

No meu último ano em Lagarto antes da mudança para a Bahia, juntamente alguns amigos compramos um velho Doge Dart para fazer uma fobica e brincar o carnaval. Mandamos arrancar a capota para ficar conversível, colocamos duas bocas de alto-falante presas ao pára-brisa, como a cor predominante era branca pintas umas listas como uma zebra e montamos um sambão. Colocamos o nome do bloco de Os Marginais e o carro foi batizado de Presídio cabrunco. Minha Mãe e dona Dete mãe de Adonias não gostou do nome. Fizemos fantasias de presidiário e a numeração de cada preso era a sua data de nascimento. Paulinho filho Antonio Gonçalves que tinha fama de mentir foi colocado a data de primeiro de abril sem que ele soubesse, o que ele não gostou. Começado o carnaval subíamos e descíamos as ruas de Lagarto. A música de Morais Moreira embalava os foliões naquele ano: “Eu sou o carnaval em cada esquina...” Eram dezenas de calhambeques desfilando pelas ruas da cidade. No último dia quando saiamos da bica após lavar o carro que estava todo sujo de pó, a caixa de marcha encavalou e tivemos de dirigir de ré durante todo o dia. Ao final da tarde na Praça Filomeno Hora, Adonias acabou brigando com seu irmão Jorge e foi instrumento pra todo lado, os ânimos só foram acalmados com a chegada da sua mãe. A essa altura ficamos sabendo que outras fobicas estavam fazendo apresentações na praça da rodoviária. Quando chegamos lá Raimundinho de Nego vinha descendo a escadaria da churrascaria do Pedro com um velho jeep. Resolvemos fazer um derbie da demolição. Batida daqui empurra pra lá e a gritaria aumentando atraindo os olhares dos curiosos. O pneu do doge furou e cada vez que eu acelerava sai faísca da roda. Empurrei o jeep até o paredão da churrascaria e Raimundinho veio com toda amassando o fundo do doge. Não havendo mais condições para continuar a brincadeira e a praça já repleta de assistentes, ficamos com medo da policia aparecer e resolvemos abandonar a praça. O doge não tinha mais condições de funcionar e levamos até um ferro velho onde vendemos. Foi assim nosso ultimo carnaval em Lagarto.

CAGUEI NO QUARTEL

Em 1979 fui passear no Rio de Janeiro onde deveria encontrar dois amigos que conheci em Lagarto, Geraldo e Roberto Willian. Viajei com meu cunhado Mário e Minha irmã Neném, passamos por Ouro Preto, Mariana e Congonhas do Campo em Minas Gerais. Depois da parte histórica e cultural, seguimos em direção ao litoral paulista, Ubatuba, Caraguatatuba, Parati e Angra dos Reis, passando pela usina nuclear no litoral entre São Paulo e o Rio, finalmente acampamos no Camping Clube do Recreio dos Bandeirantes. No primeiro dia nada de novo aconteceu a não ser a temperatura da água do mar que mais parecia sair da geladeira. No dia seguinte quando eu atravessava a pista para ir a praia lá vinha um fusca verde cana com uma prancha de surf em cima e dois garotões gritando, eram meus amigos que vinham de Macaé e trazendo aquele bronze típico dos ratos de praia. Foram dias inesquecíveis e de muitas aventuras. O grande sucesso do momento era a novela Dancing Days e a discoteca do mesmo nome instalada no alto do Pão-de-açucar atraiam turísticas de todos os cantos. Depois de curtimos um cuscuz nordestino em casa de D. Nicinha, mãe de Geraldo, partimos para a noitada. A fila do bondinho era imensa e chegava próxima ao muro do quartel do exército. A ditadura militar ainda comandava e as áreas militares eram restritas a presença de civis. Não era permitido a ninguém passar pela calçada que era guardada por soldados armados com metralhadora. Enquanto esperávamos pela vez de comprarmos os bilhetes da entrada comecei a sentir os efeitos de tanta comida diferente consumida durante mais de quinze dias. No início foi aquele toc-toc na barriga e um frio sem graça. Depois aquela vontade danada, foi aí que falei pros amigos: “tô apertado e se não fizer logo vou sujar a calça.” Geraldo ainda falou: “vamos voltar pra casa”, mas perder aquela noitada nem pensar. Foi então que me surgiu a idéia de usar a casamata que estava bem ali em frente. Enquanto o militar caminhava na direção oposta corri e me deleitei naquele quartinho apertado sob o olhar espantado de Geraldo e Roberto. Como não tinha papel apelei para a cueca mesmo. Felizmente o militar não se aproximou da casamata e pude escapulir sem ser visto. Mas ai, a noite não tinha mais graça e o cansaço do dia de praia só fazia ver uma boa cama. Quando pensávamos que a volta para casa seria tranqüila eis que cai uma daquelas trovoadas que só o Rio de Janeiro conheci e ficamos ilhados em cima de um viaduto próximo a Botafogo enquanto um rio de sujeira corria por baixo. Como não havia outra opção para sairmos e o engarrafamento tornava a situação pior, cada um foi se ajeitando como pôde e dormimos ali mesmo até que a água baixou e o sol começava a despontar novamente. A essa altura o trânsito já era intenso e mais um dia de praia se aproximava. Voltamos para a casa de Geraldo e dormimos até o meio dia. Uma coisa que até então eu não sabia, era que as pessoas iam à praia na parte da tarde e ficando até o por do sol. Aqui no nordeste, no máximo até as quatro. Mas no rio até a noite ainda encontramos pessoas com disposição para um mergulho. E foi aí sem entender muito aquele hábito me deixei levar pela malevolência do carioca. Confesso que ver o por do sol no Leblon, vendo as asas deltas se lançar da pedra da Gávea é algo inesquecível. Mais alguns dias e retornamos a terrinha enfrentando as chuvas torrenciais que caiam em Minas Gerais.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

NATAL NA CASA DOS MONTALVÃOS

Os últimos anos em Lagarto realmente foram incríveis, festas, aventuras, descobertas, etc., etc., etc. Parecia que aquele seria o último fim de ano de nossas vidas, da velha Gang of Down somente eu e Marcos Monteiro mantinha-mos contato constante. Novos amigos estavam incorporados ao dia-a-dia, Fernandinho Montalvão, os irmãos Adonias e Jorge dentre outros.O natal foi algo novo para nós, até aquele ano passar a noite de natal era ficar na Praça Filomeno Hora fazendo mangação dos tabaréus e estourando as bolas de assoprar da gurizada, além é claro de tentar arrumar uma nova namorada. Depois passar por casa, comer o arroz de galinha e ir ao baile na AAL. A ceia na casa dos Montalvãos nos despertou para uma nova realidade de convivência social, muita comida, peru e champanhe à vontade. Seu Fernando como sempre com seu sorriso tímido e Dona Anselma com seu carinho de mãe abraçando a todos.No dia seguinte ficou aquela vontade de quero mais e aí foi que resolvemos aprontar algo diferente. O ano novo se aproximava e bolamos o nosso reiveilon. Organizamos uma grande festa e novamente na residência dos Montalvãos. Além de Geraldo e Roberto Willian uns primos meus que moravam em Belo Horizonte estavam passando férias lá em casa e se incorporaram ao evento e foi uma farra daquelas. A rua em frente à casa de Adonias estava repleta de pessoas que iam e vinham procurando os eventos festivos da cidade. De repente saímos todos fantasiados, cantando e chamando atenção dos passantes espantados que não compreendesse o que ocorria. Acho que foi o último grande momento antes de nos separarmos em busca de novos caminhos.

Ô SERRA LONGE

Eu não conhecia a serra da Miaba, então, num certo dia em companhia de Alex Dias, dos irmãos Pedro e Ricardo sobrinhos de José Correa Sobrinho e Luciano filho de Odilon Mesquita, resolvemos conhecer a famosa elevação. Saímos antes do amanhecer do dia, nas proximidades da Matinha alguns vira-latas nos receberam aos latidos. Não sei bem se foi Pedro ou Ricardo que trazendo uma espingarda velha deu um tiro que acordou os moradores do arruado. Os impropérios vieram de dentro da casa e resolvemos dar no pé. Subindo e descendo ladeiras vínhamos à serra em nossa frente, mas nada de chegar. Quando o sol já estava bastante quente paramos na beira do riacho para saborear o delicioso rango a base de farofa e sardinha. Enquanto eu estava agachado lavando o rosto nas águas do córrego eis que um tiro de revolver zumbiu no meu ouvido e quase caí na água. Quando olhei para trás era Luciano que festejava a pontaria. Atirador do Tiro de 143 acabara de acertar na cabeça de uma cobra que vinha nadando em minha direção. Ainda assustado e sem ouvir direito vi se aproximar um vaqueiro. Ele foi logo perguntando o que estávamos fazendo ali. Enquanto isso Luciano tirava com um pau a cobra de dentro da água. O homem quando viu o réptil comentou que há algum tempo ele vinha em sua caça em virtude de vários bois terem morrido devido sua picada. Algo novo ao meu conhecimento aconteceu, naquele momento ele pegou a cobra e se dirigiu a um grande formigueiro onde a colocou no buraco e como se estivesse viva ela foi desaparecendo. Disse ele que era pra proteger de alguém pisar em seus ossos e ficar envenenado. Finalmente perguntamos se estávamos longe da Miaba, ele sorriu e ao ver a caminhote da SUCAN se aproximando disse que era melhor a gente pedir carona e voltar para a cidade. Chegamos ao entardecer cansados e ao mesmo tempo frustrados de não vermos de perto a famosa serra. Somente nos anos noventa e que tive coragem de refazer o passeio e claro agora de carro. A beleza do mármore branco e dos seus córregos e cascatas, além é claro da famosa caverna, transforma o cansaço num agradável passeio.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A LIRA POPULAR

Meus sonhos de criança eram ser astronauta, ficar invisível e tocar na banda de música, mas minha mãe não permitia alegando que todo músico morria tuberculoso e mais ainda que o músico fosse o primeiro a chegar à festa e o último a sair e que só comia as sobras. Ainda muito pequeno eu saia com Elmo marchando atrás da lira. Quando se aproximava a festa da padroeira eu costumava ir até a regência assistir aos ensaios e desde cedo passei a conhecer cada dobrado interpretado: Silvio Romero, Batista de Melo, Quatro tenentes, Cisne Branco, entre tantos outros. Dia 31 de agosto os fogos de lágrimas explodiam por trás do cemitério e lá vinha a "furiosa". Seu Estênio tocava os pratos e me deixava acompanhá-lo sempre com um sorriso de satisfação. Primeiro a parada na casa paroquial e depois para a casa do padrinho ou madrinha da noite para trazer o ramo até a matriz. Já funcionário do Banco do Brasil solicitei alguns instrumentos de percussão para um projeto que eu desenvolvia no convento das irmãs Venerinis, mas para minha surpresa a Fundação do banco nos enviou uma doação de instrumentos e fardas para filarmônica, imediatamente procurei o senhor Naldinho, filho do saudoso maestro Temístocles Libório, que logo se interessou pelo presente, a lira foi renovada e hoje quando vejo o grande número de garotos que participam dela, me sinto gratificado por de alguma maneira ter contribuído.

ZÉ ATOLADO

A minha casa era um centro de convivência das mais variadas pessoas, ali não se construía preconceitos raciais ou sociais. Na mesma mesa que comia o rico, comia o pobre. Minha mãe adorava servir almoço para os padres durante as festas de setembro. Mas era no dia-a-dia que as pessoas simples freqüentavam com maior freqüência. A porta dos fundos que dava para a Rua Senhor do Bonfim era o contato mais fácil. Ali ficava a cozinha e onde minha mãe trabalhava. Sempre aparecia alguém para conversar, dá uma mãozinha ou mesmo ser convidada para um lanche ou almoço. Assim, não posso deixar de registrar a presença de Deca ou Zé Atolado. Era ele um sujeito simplório quase da família e que freqüentava a casa desde garoto. Trabalhava como ajudante de pedreiro, mas costumeiramente era enganado pelos contratadores dos seus serviços, uma vez que era analfabeto e não conhecia o valor das cédulas. De família pobre conhecida por "letrados", morava com sua mãe no bairro Pacheco. Motivo de risos por sua maneira infantil comia muito pouco, era franzino e não gostava de banho. Quando lhe era oferecido almoço dizia que só queria um cafezinho. Gostava de ouvir rádio e era fã de Josa o Vaqueiro do Sertão. Quando diziam a ele que a rádio estava lhe mandado um alô ficava todo contente e cantava a música “Na sombra da jaqueira”. Certa feita os pedreiros de uma construção que meu pai fazia resolveram dar um banho em Deca, ele ficou danado, afinal banho era vaidade demais. O resultado é que ele ficou alguns dias doente e desapareceu por vários meses com raiva do pessoal. Mas como na sua inocência não ficavam mágoas, sabendo que meu pai se achava adoentado apareceu para uma visita. Ele costumava chamá-lo de seu Adalbelto. Sim, o nome Zé Atolado foi dado justamente porque quando preparava a masseira acabava se misturando ao material. Há poucos anos atrás morreu Deca no hospital João Alves em Aracaju e o laudo do necrotério acusou a morte por inanição. Não que lhe faltasse quem lhes desse trabalho ou comida, mas na sua simplicidade se negava a receber pelo que não trabalhou. Só um cafezinho!

ACORDANDO COM MÚSICA

Como dizem os antigos: "nasci e me criei" ouvindo música. Minha família tinha a tradição de gostar dessa arte. Um avô do meu pai tocava na banda de música de Campo do Brito ainda no século XIX. O meu avô paterno era músico dessa mesma banda. Meu pai e alguns dos seus irmãos tocavam violão e acordeom. Meu bisavô Hipólito Santos era músico e conduzia a Euterpe Lagartense. Meu avô materno seguia os passos do seu pai. Minha irmã Marielza tocava acordeom e piano. Meu irmão Adherbal foi sócio da banda Parada Seis. Meu irmão Hermes é um grande colecionador de boleros. Meu irmão Epitácio também mexe com alguns instrumentos e eu o que mais se dedicou a, arte batalhei durante vinte e dois anos. Afinal, uma família de músicos. O mais interessante é que sempre houve democracia quantos aos nossos gostos e preferências musicais e a prova disso é que todos tinham o seu momento de usufruir da radiola. Mal o dia amanhecia e tava lá meu pai acordando a todos ao som de dobrados da banda da policia militar do estado de São Paulo ou do Corpo de Fuzileiros Navais, num outro dia com Gerson Filho puxando a sanfona ou ainda Amália Rodrigues e seus fados. Eu era apaixonado pelos Beatles e existia lá em casa metade do LP os reis do Iê, Iê, Iê, metade porque o disco estava quebrado até a segunda faixa. Algum tempo depois meu pai comprou um acordeom e tome valsas e forró. Vieram as músicas sacras, minha mãe depois de visitar Aparecida do Norte trouxe uma gravação da missa da padroeira do Brasil. Durante muitos anos haja missa. Quando já estava bastante debilitada pela doença que lhe trouxe a morte eu sentava em sua cama para cantar e tocar ao violão os hinos que ela gostava de ouvir. Hoje meus filhos Thiago e Rafael continuam levando à frente o gosto pela música e já possuem seu próprio grupo. A vida se repete. Infelizmente ela é cheia de imprevistos que a torna complexa. Por um longo período a música ficou muda em nossa casa. Após a morte do meu irmão Adherbal, minha mãe não permitia ligar a radiola e somente pela televisão que os acordes teimavam em encher o lar de alegria.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TINHA ALMA DEMAIS

Depois de muito inventar, eu e Adonias resolvemos participar da procissão da Encomendação das Almas. Para quem não sabe o que é, trata-se de uma manifestação religiosa onde homens saem pelas ruas vestidos de brancos durante a madrugada da sexta-feira santa para rezar em lugares onde aconteceram tragédias ou possuem importância religiosa ou necessidade de orações. Aquele dia foi de chuva e a noite na hora da saída do grupo fazia frio e uma fina garoa caía insistentemente. Com os lençóis embaixo do braço que serviriam de mortalhas seguimos para a casa do Sr. Temístocles Libório de onde sairíamos. Maninho de Zilá chamou a nossa atenção para o sentido religioso da Encomendação e nos colocou na frente do cortejo, cada um segurando a lanterna e conduzindo o grupo. No meio ia Rubem carregando a cruz. Iniciamos pelo cemitério onde eu procurei ficar de costas para não arriscar ver alguma alma assistindo o evento, passamos pela Rosário onde Maninho saiu do cortejo e foi reclamar de um grupo de rapazes que bebiam e ouviam som num carro. Seguimos então, pela antiga cadeia na Rua Cel. Souza Freire, pelo local da forca na Praça Filomeno Hora e como a chuva não parava resolveram retornar passando por último na igreja matriz. Como manda a tradição a igreja fica fechada na noite da sexta-feira santa e o grupo se reúne na frente da porta principal para fazer a última oração que é o Senhor Deus. É um momento de muita compenetração, somente o cantor fica de pé. Naquele instante eu e Adonias ficamos próximos um do outro e ele falou baixinho para mim: Floriano você já viu tantas almas assim? Devido à chuva poucos formavam o grupo, mas não sei como, ao olhar para trás naquele momento parecia que toda a frente da igreja estava tomada de penitentes. Mal Maninho de Zilá acabou o canto, tocaram a matraca e todos saímos quase que atropelando uns aos outros. Quando chegamos de volta à casa do Seu Temístocles ninguém comentou o fato. Morrendo de medo tanto eu quanto Adonias disparamos de volta para casa e nunca mais quisemos saber de Encomendação.

CARREIRA DA MOLÉSTIA

Certa feita Adonias me chamou para irmos ao sítio de seu avô "Didi", tirar caju. O dito sítio ficava próximo ao Pacheco e logo na frente tinha um tanque onde o velho mantinha alguns animais de criação. Ele foi entrando e chamando pelo avô, mas esse não respondeu. Então seguimos até os cajueiros que ficavam atrás de uma velha casa de taipa. Parece que aquela tarde não era boa para chupar caju. Logo desanimamos do passeio e resolvemos retornar para casa. Quando passávamos pelo arame que dividia o pomar do pasto da frente, eis que seu Didi pensado que nós éramos moleques roubando frutas começou a gritar e vindo em nossa direção com um facão em punho parecia que ia atacar-nos. Não conversamos, saímos correndo e ao contornar o tanque uma vaca se assustou e arremeteu contra nós. Aí foi que eu vi a situação ficar preta: de um lado o velho correndo e do outro o animal fazendo risco no chão. Não deu, outra nos enfiamos pelo arame farpado e num piscar de olho já estávamos do outro lado da cerca. Não sei se por gozação, ou não. Adonias ainda disse: “corre que vovô ta vindo e se descobrir que sou eu vai contar pra minha mãe”.

FILMANDO EM LAGARTO

Em 1980 chamei alguns alunos do Colégio Salete para rodar pequenos filmes. Eu pretendia realizar A História Segundo Floriano que seriam tiras satíricas do cotidiano. Na época a questão do bebê de proveta ainda era vista como algo extraordinário. Rodamos a primeira parte com Everaldo filho de Zé Preá sendo o bebê de burreta. No dia seguinte com o cemitério lotado rodamos o enterro em que o defunto ressuscitava, Os acompanhantes eram Neguinho filho de nego de pequeno como o padre, Dodó, Acácia, sendo os carregadores do caixão ..... e Nainho (Elioenai) o defunto que acordava. Alguns dias depois foi a vez do comício onde irresponsavelmente colocamos figuras como Jesus Cristo, Hitler, Tio Sam e representantes da Igreja católica juntos no palanque. Algo engraçado aconteceu quando durante as filmagens realizadas em nosso sítio da Cidade Nova, lá vinha Lourival Santos vestido de Jesus Cristo e montado para o comício, meu pai que estava presente e se divertia com as minhas estripulias gritou: Jesus Cristo seu peste você cai do jegue! Depois foi a vez de o grupo folclórico os Cangaceiros organizar a batalha. Zé Padeiro e seu grupo acabaram fazendo uma grande bagunça onde os cangaceiros em vez de atacarem fizeram um grande forró. Infelizmente nessa época as câmeras e vídeo começaram a entrar no mercado pondo fim aos cineastas amadores e criando filmadores domésticos.

sábado, 29 de novembro de 2008

UM SONHO REALIZADO

Das muitas decepções que passamos na vida acredito ter sido essa a que mais senti na pele. Em 1977 fui estudar em Aracaju e logo me integrei à primeira turma de alunos do curso de cinema do Colégio Estadual Atenheu Sergipense. Era professor Djaldino Mota Moreno, grande incentivador do cinema sergipano. Começamos com um grupo de 16 alunos e no final a equipe ficou formada por apenas seis. Produzimos muitos documentários sobre a cultura sergipana. Finalmente meu roteiro para o filme Carro de Bois foi aprovado e busquei em Lagarto alguém que possuísse um carro de qualidade. Foi na fazenda do seu Izaac da Cassuba no povoado Olhos D’água onde encontrei o ambiente propício para as filmagens. Fiquei responsável pela direção, roteiro e trilha sonora. José Oliveira Junior contra regra e layout, Evandro Curvelo contra-regra e Marcelo Deda operador de câmera. No início das filmagens tudo parecia estar dando errado a começar pelos rolos de filmes negativos que trouxemos trocados por ter a sensibilidade mais alta. A filmagem realizada em meio ao verão muito forte iria trazer problemas para a qualidade da fixação da imagem na película. Como tínhamos apenas aquele dia para filmar arrisquei tudo colocando vários tipos de filtros na lente da câmera, se o resultado não fosse bom eu substituiria o material. Quando em fim os rolos de filmes chegaram o professor Djaldino convocou a equipe e de uma maneira um tanto estranha. Pensei que uma grande bronca viria pela frente, mas para nossa surpresa ele foi logo perguntando o que tínhamos feito. A imagem capturada era de um colorido deslumbrante e quase todo o material foi aproveitado. O filme participou de todos os festivais de cinema do Brasil e somente no festival de Penedo não foi premiado. Ganhei em 1978 o premio de melhor filme sergipano e em 1984 o melhor filme até então realizado em Sergipe. No dia seguinte ao festival desembarquei em Lagarto trazendo o troféu e para minha surpresa ninguém sabia. Falei com as pessoas sobre meu sucesso e ninguém acreditou. Somente alguns dias depois quando os jornais estampavam meu feito‚ que acreditaram. Já era tarde.

O TELÉGRAFO PIFOU

Estudei com Adonias Libório durante as sétima e oitava séries, fazíamos uma turma do barulho, mas o melhor de tudo foi que um dia resolvemos montar um telégrafo para conversarmos de nossas casas. Com o manual do professor Pardal na mão construímos os aparelhos. Depois de prontos foi à vez de puxar a fiação entre nossas casas. Quando estávamos tentando passar o fio entre uma rua e outra dona Dete sua mãe descobriu e mandou interromper os trabalhos. Foi uma frustração total, mas nos livrou de um belo choque elétrico já que nossa fiação teria de passar entre os cabos de alta tensão, quem sabe até poderíamos ter sido eletrocutados. Mas que o telégrafo funcionou, funcionou!

PROFESSOR AGUIMARON MENEZES

Era ele um professor bastante conhecido na cidade, ensinava português e Literatura. Figura controvertida era conhecida por suas manias e vontades autoritárias, recebia ao mesmo tempo reprovação e respeito dos colegas devido sua capacidade como educador. Enfrentamos-nos várias vezes quando eu era aluno do curso ginasial no Colégio Salete. Certo dia ele tentando me tirar do sério, pois sabia que eu era temperamental me fez a seguinte pergunta: Como se escreve xícara? Prontamente respondi com uma nova pergunta: pra chá ou cafezinho, professor?! Fui mandado imediatamente para a diretoria. Outro dia durante aula de literatura ele voltou sua artilharia e me indagou "labareda", - era assim que ele chamava para me irritar - quem foi Arariboia? Sem pestanejar respondi: Uma mistura de arara com jibóia. Ele imediatamente juntou seu material e se dirigiu a diretoria. A turma toda o seguia e quando ele encontra Dona Anselma Montalvão fala aos berros: ou eu ou Floriano naquela sala! Dona Anselma adorava seus alunos como filhos e mandou me chamar, sentamos para conversar e os ânimos foram acalmados. Entretanto havia um professor que não batia muito comigo, Seu Bianor era pastor da Igreja Presbiteriana e certa vez durante a aula de OSPB fez comentários pouco lisonjeiros à igreja católica. Sem perder tempo o mandei respeitar os que ali presente professavam aquela religião. Ele solicitou minha suspensão, mas meu argumento foi mais forte. Mas voltando ao professor Aguimaron, todos os anos durante a missa da páscoa do colégio ele formava o coral para animar o evento. Nessa época eu já era músico com alguma experiência. Ele tocando o órgão da igreja matriz todo vaidoso fazia os sinais para o ensaio dos cânticos. E lá vou eu irritar o professor. Enquanto os alunos timidamente balbuciavam as primeiras frases musicais eu disparava em voz alta algo semitonado. Ele olhava como uma fera tentando descobrir no meio de tantos quem era o "engraçadinho". Finalmente após algumas tentativas eis que o coral desponta melodioso. O professor vitorioso soltava ares de satisfação.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

VELHOS CARNAVAIS

Nada de micaretas e axémusic, quem comandava o carnaval era o frevo pernambucano. Os dias que antecediam o carnaval era tempo de prender uma lata e um cordão de caroá untado em breu ao cubo da bicicleta e sair fazendo zoada pela cidade. Muitas vezes dezenas de garotos se reuniam e saiam pelas ruas. Máscaras e lanças de água, tinta e pó completavam a festa. Para os menores abastados, no domingo e terça-feira à tarde havia o baile infantil. Durante o dia os bares ficavam cheios, fobicas e charangas desfilando pelas ruas. As mocinhas correndo de cá para lá fazendo de conta que não queriam se sujar, mas na verdade buscavam que algum galanteador lambe-sujo chegasse perto e um novo casal estaria arrumado para o baile de logo à noite. Ao som dos clarins a banda de frevo anunciava o início do baile. A Atlética era pequena mais dava para a reduzida sociedade lagartense. Seu Bazinho e Seu Santinho Machado prendiam uma pequena toalha ao pescoço e no passo de ganso passavam toda à noite a circular o salão. Quando a manhã da quarta-feira de cinzas teimava em chegar era a hora da despedida e todos saiam pelas ruas catando o "tá chegando a hora". Teve um ano que todos os rapazes usaram macacões de frentistas de postos de gasolina o que terminou parecendo mais um baile operário. Aos poucos a influência da música baiana foi chegando e anunciando o nascimento do trio elétrico.

domingo, 16 de novembro de 2008

AQUILO SIM ERA SÃO JOÃO!

Antes do surgimento das grandes festas na região, os festejos juninos aconteciam nos sítios e bodegas. Havia um no coqueiro que era afamado. No sitio de seu Batistinha na Cidade Nova, na bodega do Gancho, no Caldo de Cana entre tantos que existiam. Nada de bandas, uma radiolinha aqui, um sanfoneiro ali, mas era animado até a fogueira apagar. Certa feita sai com Adonias Libório, seu irmão Jorge, Fernandinho Montalvão e Marcos Monteiro para uma rodada pelos forrós. Adonias dirigia um corcel branco do seu pai e que dificilmente poderia ser camuflado caso fosse necessário. Passamos pela Cidade Nova e descobrimos que havia um forró próximo a estrada que liga Lagarto a Simão Dias. Ao chegarmos lá a entrada era paga. Olhamos pelos “cobrogós” do salão e vimos que pouca gente estava presente. Nisso Adonias teve a maravilhosa idéia de jogar um busca-pé para esquentar a moçada. Ele entrou no carro e ligou o motor e lá foi à turma acender o bicho. Quando o burburinho começou já estávamos arrancando o carro. Só depois de alguns minutos‚ que notamos a bobagem realizada. Paramos na Praça Filomeno Hora, mas sentimos que seríamos descobertos logo e não é que o camburão da polícia começou a nos seguir! Depois de entrar em rua sair em Beco Adonias conseguiu esconder o carro na garagem e ficamos esperando a visita dos policiais. Mas para nossa felicidade eles não apareceram. Na noite de são João ao contrário, quase não havia forrós devido à quantidade de fogos que soltavam na cidade. A irresponsabilidade dos soltadores era clara e muita gente acabava sofrendo queimaduras que às vezes levava até a mutilação de membros.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A CAIXA DÁGUA DESABOU

Era uma segunda-feira em plena matinê. A sala de projeção com um grande número de espectadores que assistiam atentos ao desenrolar da trama cinematográfica. O som da película vindo da boca do alto-falante que ficava atrás da tela sobressaía sobre qualquer outro. O cine Glória era um prédio enorme e sem conforto, milhares de cadeiras de madeira se espalhavam no grande espaço e mais a geral dividida pela sala de máquinas. Várias portas laterais e uns poucos ventiladores que só beneficiavam os que estavam próximos deles o que formavam núcleos quando não havia muitos espectadores. O sanitário masculino ficava num corredor do lado direito da entrada e somente os corajosos se aventuravam utilizá-lo devido a grande fedentina. A sua construção fora improvisada entre o muro e a parede interna do prédio e, na parte de cima foi construída a caixa d’água. Num momento qualquer do filme se ouviu um grande estrondo que não era da projeção e sem que alguém pudesse localizar a sua origem, todos saíram correndo imaginando que poderia ser o telhado do velho cinema desabando. Sapatos e sandálias se espalharam entre as cadeiras, gritos e corre-corre. Enquanto as pessoas se espremiam tentando sair pela catraca, alguém informou ter sido a caixa d’água que não suportando o volume da água rachou. Daí por diante ninguém conseguiu mais assistir o filme entre gargalhadas e risos assustados. Até o início dos anos oitenta Edinho manteve o prédio que em seu lugar foi construído o Bradesco. Depois ele edificou um outro ao lado de suas casa e hoje está desativado tambem.

O CINEMA ACABOU

Entre os anos trinta e setenta Lagarto possuiu cinema e hoje como em quase todas as pequenas cidades do interior esse importante tipo de diversão foi extinto. Zé Dantas Colecionava cartazes de filmes e sempre que podia acrescentava mais um - não sei qual a forma - Havia sempre um cavalete do cine Glória na esquina das Ruas Laudelino Freire e Lupicínio Barros anunciando a atração do dia. Os cowboys com Franco Nero, Giuliano Gema e Clint Eastwood eram os preferidos, mas também filmes de Maciste e gladiadores faziam a festa. No final dos anos setenta surgiram os de artes marciais e nas noites de segundas-feiras assim que as portas do cinema se abriam após a sessão, saia a molecada a imitar os golpes a gritos de “iáááá” e foi assim que os filmes passaram a ser chamados: filmes de iá. Surgiu também um herói que se vestia de branco e era denominado Santo que lutava contra zumbis e múmias. Faltar a um filme de Roberto Carlos e naturalmente a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo seria quase pecado. Depois vieram os trapalhões com suas comédias pastelões. Claro que os filmes de Drácula eram ótimos para namorar. Quem não chorou ao ver Teixeirinha cantar o coração de luto? Dio come ti amo que fazia os casais de namorados se beijarem transformando o escurinho do cinema numa sessão de beijoqueiros? Hoje no local do Cine Glória ou cinema de Edinho está erigido o prédio do Bradesco, mas também existiu o Cine Pérola que pertenceu a Julio Modesto, uma construção bonita com espelhos na entrada uma bela escada circular que dava para a geral, todo decorado com pinturas egípcias e o mais bonito era quando o filme ia começar: as cortinas se abrindo as luzes se apagando e o som do "tuuuum", que se misturava ao Tema de Lara. Foi numa matinêˆ que eu beijei a primeira namorada. Na parte da geral havia algumas cadeiras que ficavam bem acima das outras e que eram exclusivas de seu Detinho da Radiofon. Hoje o prédio abriga a Caixa Econômica.

BICA VÉIA DE MIGUÉ

Figura pitoresca da cidade, Miguel era um cidadão que quando sóbrio fazia pequenos consertos em fogões das residências. Não sei por quantas, mas era só ficar bêbado que soltava suas máximas: "Migué da bica véia, Bica véia de Migué", "A força tá no cabelo", "Aluizo mandou matá Bichão". Quando a molecada não tinha o que fazer e resolvia mexer com o pobre, ele se danava e se mostrava lutador de capoeira. Entre uma pernada e outra lá ia ele pro chão. Quando o fogão da minha casa dava defeito Nanam aproveitando o instante em que ele estava sóbrio chamava-o para consertar. Ele sempre afirmava: Parei de beber, sempre sorrindo falava do mal que a bebida fazia, mas algum tempo depois olha Miguel: "Migué da bica véia!".

O LABORATÓRIO

Num certo tempo resolvi ser cientista e montei um laboratório num velho salão da casa dos meus pais. Nas bancas de revista estava sendo vendido um microscópio em fascículos e entrei nessa. Comecei a colecionar animais e insetos. Preá, lagartixa, aranha etc. e um rato branco o qual dei o nome de Godofredo lembrando o seriado Shazan & Xerife da rede globo. Fiz algumas experiências espaciais como a criação de um foguete que não decolou, uma luneta com lentes de óculos para ver a lua e dissecação de um pardal. Minha mãe morria de medo de ratos e como guardava seu material de artesanato no salão tomou o maior susto quando viu o Godofredo numa gaiola e mandou acabar com o laboratório. Foi uma grande tristeza, pois eu imaginava transformar aquele espaço num grande centro internacional de pesquisas. Possivelmente a humanidade perdeu um grande cientista. Mas minha mãe certamente não via dessa maneira.

domingo, 2 de novembro de 2008

A PREGUIÇA DA BICA


Era um privilegio para os lagartenses ter dentro da cidade uma área de mata preservada. A bica era um espaço verde e pantanoso, Grandes árvores cobriam a parte onde havia os tanques formando um clima agradável. Logo na entrada havia um pé de ingá com sua enorme copa produzindo suas vargens adocicadas. Todo proprietário de carro tirava algum dia para lavá-lo na bica. Era uma verdadeira terapia, pássaros cantando, bastante água potável brotando das raízes das palmeiras. A piscina velha era o lado sombrio da bica como também a lavanderia pública onde as mulheres cantavam lavando roupas. Na parte alta ficavam as figuras do índio e da sereia que povoavam a imaginação da garotada. Vez em quando a preguiça aparecia sobre as árvores e era motivo de visita. A população pedia aos políticos para tornarem aquele lugar mais humanizado e seu pedido foi atendido muitos anos depois com sua destruição e a criação do parque fechado e sem o menor cuidado com a preservação do ecossistema existente. E finalmente a megalomania política transformando a bica no paraíso dos irmãozinhos pobres. Hoje a bica é um caso de polícia. Muito dinheiro gasto e o abandono. Quem sabe a natureza não volte a ocupar seu espaço, caso o homem seja mais inteligente e deixe-a sobreviver?

PS: Antigamente quando um garoto era meio descansado e não atendia os adultos era chamado de "preguiça da bica".

GUERRA DOS MARIMBONDOS

Era um daqueles dias que não se tinha nada para fazer. A Av. Leandro Maciel palco das nossas estripulias era fruto da abertura de vários sítios e suas casas possuíam vastos quintais cheios de fruteiras. Estava assim montada a condição ideal para a proliferação de animais silvestres e naturalmente insetos. Vizinha a casa de João Capelão ficava a de seu "Cantide" que possuía uma varanda lateral onde os marimbondos costumavam fazer seus ninhos. Naquela tarde não tinha ninguém em casa então descobrimos uma boa e perigosa brincadeira. Diversas casas de marimbondos presas nos caibros enfeitavam o telhado. O objetivo seria matar um a um os valentes insetos. As nossas armar seriam apenas os chinelos. Bastou o primeiro ser lançado e eles logo partiram para defender seu patrimônio. Chinelo pra lá, corre pra cá, uma telha rachada no alto até que os inimigos foram vencidos. Pode parecer uma coisa boba ou mesmo antiecológica, mas naquela época tudo, tudo podia ser motivo de brincadeira, mesmo sabendo do perigo que poderíamos estar correndo. Que tal dar brasa para sapo engolir? jogar gato dentro dágua? Amarrar pitu em rabo de gato?

CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ!

Eram pouco mais que às sete da noite quando apenas eu e Galo Rouco esperávamos a turma chegar. Sentados no muro da casa de João Capelão vimos duas garotas se aproximando. Pararam diante de nós e perguntaram se não queríamos dar uma "aliviada". Perguntamos o que elas queriam em troca e falaram que apenas alguns trocados. Acompanhamo-las até um quartinho que ficava dentro do mercado municipal. Era um lugar fétido com o esgoto passando por debaixo da cama. Dois girais juntos e um candeeiro mal iluminando, formavam aquela pequena alcova. A garota que galo Rouco pegou era meio amalucada, foi agarrando ele e jogando-o na cama. Depois de se acomodarem eu e minha companheira timidamente nos aconchegamos. Quando estávamos no bem bom. A doidinha levantou-se e perguntou: Cadê o dinheiro, primeiro o dinheiro. Celso tinha apenas uma moeda que ao pegar na calça a dita rolou até o esgoto. A garota ficou furiosa. Nisso alguém começou bater a porta. Era um policial amante da doidinha que gritava: fulana se você tiver com algum homem ai dentro eu mato os dois. No desespero resolvemos abrir a porta e sair correndo. Quando demos conta da nossa aventura já estávamos ofegantes na calçada da igreja matriz. Olha só! Depois do ato quase concluído ainda subir a ladeira do Rosário em disparada foi coisa para adolescente cheio de gás. Passado o susto ficamos sabendo que o policial estava bêbado e nem se mexeu do lugar. Quanto ao dinheiro da doidinha, ficou para outra oportunidade.

A BANDA DO SALETE

Quando estava iniciando a sétima série no Laudelino Freire tive um sério problema com o professor de OSPB, Sargento Farias que injustamente achou que eu tinha agredido uma garota. Procurei meus pais que conhecendo o meu comportamento ficaram do meu lado quando eu afirmei que não estudaria mais naquele colégio. Padre Mário apesar de não concordar comigo me pediu para que eu não saísse, mesmo assim preferi ir estudar em Aracaju. Quando Dona Anselma Montalvão soube do que se passara comigo solicitou a minha mãe que eu fosse matriculado no Salete. Ali encontrei a amizade e compreensão de uma pessoa que Lagarto não soube preservar. Quando se aproximava o mês de setembro do Anselma me pediu para organizar uma pequena banda marcial. Juntamente com seu esposo Fernando, começamos a vasculhar o sótão do colégio em busca de instrumentos deixado por Enio Motta quando ainda era proprietário daquele colégio. Conseguimos alguns instrumentos de fanfarra e uma corneta. Nesse período comecei a ensinar a garotado os princípios da música. Dona Anselma a cada dia se interessava mais pelo sucesso da banda e no dia sete de setembro debaixo de muita chuva a banda marcial do Salete chamou a atenção do público. No ano seguinte a equipe já estava mais preparada e agora com a presença de Marcos Monteiro, Adonias Libório, Epitácio, Fernandinho Montalvão e tantos outros. Começamos então uma verdadeira revolução musical na cidade. Novos toques, fardamento bem desenhado, chapéus bem trabalhados, introduzimos garotas portando flâmulas entre os músicos e fazendo evoluções. A banda passou a ser esperada no desfile e desbancando a tradicional fanfarra do Laudelino Freire. Finalmente fomos convidados a participar do primeiro concurso de fanfarras em Aracaju. Foram três representantes de Lagarto, O Salete, Laudelino freire e Silvio Romero. Quando O Salete perfilado na Praça Camerino viu chegar a banda do Atheneu todo garbosa tremeu na base. O maestro da banda adversária como que quisesse amedrontar os interioranos mandou executar um dobrado. Nisso Paulo chagas que já era nosso maestro não titubeou e gritou "vamos dá um esquento". Quando a banda do Salete além de bela muito afinada puxou o toque só víamos os músicos das outras bandas concorrentes correrem para nos assistir. Descemos a Rua Pacatuba na contra mão até o palácio do governo na Praça Fausto Cardoso onde estava armado o palanque com os jurados. Não deu pra ninguém, chegamos evoluindo e já quase gritando vitória. Poucas horas depois que as bandas de todo o estado se apresentaram foi anunciado o resultado. Salete em primeiro, Atheneu em segundo e Laudelino freire em terceiro. Foi uma explosão de alegria e choro. Corri para avisar seu Fernando que não teve coragem de viajar para acompanhar a competição e quando chegamos à madrugada lagartense fomos recebidos por ele, alunos e professores do Salete numa grande festa. Acho que foram os anos mais felizes de minha vida estudantil.

domingo, 26 de outubro de 2008

A PISCINA DO BREJO

Era um passa tempo um pouco deslocado do dia-a-dia, mas vez em quando a turma pegava a bicicleta e se mandava pra lá. O lugar era muito bonito, uma mata de árvores enormes e do meio da exuberante vegetação brotava água fria e cristalina que caía na piscina de cimento. Algumas mulheres lavavam roupas ao seu redor o que muitas vezes devido ao acumulo de sabão podia provocar perigosas quedas. Por ser distante da cidade, era o tipo de passa-tempo que só era utilizado nas férias. Outro dia passei por lá e vi que a velha piscina ainda servia de atração para alguns garotos que se banhavam. Quem sabe não poderia ser uma excelente opção de lazer para a comunidade?

PÃO E QSUCO

Geralmente era dia de sábado, mal chegava a tarde e a molecada se reunia no oitão da igreja para programar o que fazer. Quase sempre era ir até a perfiferia da cidade, a exemplo da Estação da Leste ou ao Rio de Jacaré. Naquele dia resolvemos ir ao rio‚ passamos na padaria da viúva que ficava na Rua D. Pedro II, compramos taiobinha. Meu parceiro de garupa era Lucas filho de Dona Caçula de Seu Raimundo de Anastácio, ela levava uma garrafa de Qsuco e o pacote de pães. Naquela época o Jacaré ficava longe, era necessário ir cedo e voltar antes do escurecer para que nossos pais não dessem por nossa falta, uma vez que não nos permitiam tomar banho no rio. A estrada ainda não era asfaltada, quando estávamos perto do rio teríamos de passar por um velho mata-burro. Lucas sentado no guidon da bicicleta acreditando na minha perícia mandou que eu acelerasse para passar sobre um dos troncos ainda resistentes. Como dizia a turma "atochei", mas a velocidade que nós íamos era demais para mirar corretamente, e o pneu dianteiro caiu na vala entre um tronco e outro. Só lembro que voei sobre Lucas e me esparramei no chão. O dedo do co-piloto ficou preso entre os raios da roda provocando uma pequena torção, mas ele heroicamente caiu sentado com o litro de Qsuco e os pães em perfeito estado. Quando chegamos na beira do rio a molecada já saltava de um lado para outro. Dias antes havia dado uma trovoada e o rio estava cheio. Metido a Johnny Weissmuller, pulei do paredão em meio ao redemoinho no meio do rio, quando tentava voltar à tona um galho de arvore submerso prendeu minha perna e foi me levando enquanto eu desesperado tentava me soltar. Finalmente consegui chegar até um lugar raso e me desvencilhar. À noite, sentado na porta de casa, refleti sobre o perigo passado, mas já imaginava uma nova ida ao rio.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

CAÍ DA JAQUEIRA

Era um domingo de verão muito quente, a Turma da Baixa reunida não sabia o que fazer, os programas tinham se tornado cansativos. Alguns diziam vamos pra bica, outros que tal uma bolinha no campinho da AABB (hoje Rotary Clube) - a turma entrava pelo oitão da casa de Seu Zequinha Aleijado e chegava até o campinho -. Alguém finalmente teve a idéia de sair andando pela periferia. Então seguimos em direção a Horta, passamos pela estrada que vai para Itabaiana e mais adiante paramos para descansar em um alpendre de um velho sítio. Então Hermenegildo e Daniel resolveram investigar o que havia de bom na redondeza. As arvores centenárias faziam uma copa altíssima que levava sombra para todo o sítio. Havia uma jaqueira cheia de limo mais com frutos que pareciam apetitosos. Eu era metido a macaco e fui logo subindo, bati numa jaca aqui outra acolá, mas nada, nenhuma madura. Finalmente descobri uma que as abelhas estavam furando e pensei: só pode estar boa! Como um gato, fui me esticando até alcançar o fruto. O galho estava podre e não suportou o meu peso e lá vai ladeira a baixo uma mistura de Floriano jaca e galho. Por pura sorte cai dentro de um buraco que estava sendo aterrado com restos de folhas e troncos de bananeiras. Nada sofri, mas o tombo valeu como experiência. Felizmente a jaca estava deliciosa. Após o banquete seguimos até uma fonte que existia no povoado Limoeiro e era formada por um minante que brotava entre as raízes de uma grande arvore. De um lado a água era cristalina e servia para beber, do outro era de um branco azulado onde as mulheres lavavam roupas. Dali seguimos por um corredor todo coberto de grandes arvores até chegarmos à estrada que vai para Itabaiana. Final de tarde, final de passeio, hora de voltar para casa.

UMA GAROTA DIFERENTE

Tem gente que parece vir ao mundo na época errada. Penso eu que uma dessas é Vera(nice), irmã de João Capelão. Quando garota escandalizava os mais velhos por seu jeito despojado e irreverente de ser. Era meio gordinha e possuía um par de seios enormes e lindos, seu rosto arredondado semelhava-se aos da Fafá de Belém, e era esse seu apelido. Andava sempre com vestidos soltos que salientavam suas formas e um belo sorriso sincero. Tratava todos com muito carinho e era sempre uma boa prosa. Certa vez a encontrei pela rua com um violão sobre o ombro para escândalo dos puritanos. Vera era a meia-irmã ou mesmo namorada que todo garoto da minha época gostaria de ter tido. Não se importava com a opinião dos outros e viver para ela era o suficiente. Todos os garotos tinham o maior respeito e admiração por ela. Nos bailes não recusava convite para dançar e ser gordinha não era motivo para se cansar, era um excelente dançarina de discoteca. Uma garota diferente, mas que todas as outras tinham vontade e medo de ser como ela era.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

ESTAÇÃO DA LESTE

Era difícil chegar até a velha estação. No final da Rua Filadelfo Dória existia uma estradinha de terra onde somente passavam pessoas a pé e após andar algum tempo e lá estava o que deveria ser a Estação da Leste, por aonde o progresso chegaria. Naquele lugar desolador encontramos somente vestígios deixados por mendigos. Em frente uma bela construção de pedras seria a casa do chefe da estação, algumas pessoas paupérrimas sentadas na porta como a estranhar aquele grupo de moleques. Resolvemos entrar no corte cavado pelos operários da ferrovia e caminhamos alguns quilômetros até encontrar as onze casas onde morariam os futuros empregados. Ali ficamos imaginando a beleza que seria ver o trem apitando na curva para chegar à estação. O tempo passou e certo dia resolvi compor uma música em homenagem à velha estação, que começa dizendo: “Quem ficou na estação esperando um dia o apito do trem... e a cansada esperança de uma viajem nos trilhos que vem.... foi o final de um apito estrada de ferro que nunca passou ou uma locomotiva Maria Fumaça soltando vapor” felizmente a velha estação é hoje uma creche a comandar os vagões da infância e da educação. Um belo exemplo de como o bem público pode ser aproveitado não importando o descaso cometido no passado.

A MÁQUINA FOTOGRÁFICA

Num certo dia Zé Dantas inventou de comprar uma máquina fotográfica. Ele estava trabalhando no Banco do Brasil como ofice boy e já possuía uma pequena renda. Todos da Turma da Baixa se comprometeram em pagar as prestações. No primeiro final de semana testamos a máquina na fazenda do Avô de Cláudio no interior de Riachão do Dantas, depois no Rio Piauí e na Estação da leste. Tudo sendo devidamente registrado. Quando venceu a primeira prestação somente eu e Dantas possuíamos a parcela referente. Como ninguém mais se dispôs a pagar foi ele pedir ao seu Manoel dono do foto Leonam para receber a máquina de volta. Até que ele foi compreensivo e terminando assim a minha primeira sociedade. De lembrança ainda guardo algumas fotografias desses passeios que marcaram as aventuras da Ganga of Down.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

GANG OF DOWN

Zé Dantas era o líder, João Capelão o intelectual, Hermenegildo o amigo de todos, Claudino o mais arredio (falecido), Celso de Zélia (galo rouco) o malucão, Daniel de Felismino o caçula, Marcos Monteiro o boy, Junho de seu Netinho do bar o magrão, Cláudio o independente e naturalmente eu. O nome original era Turma da Baixa, devido o ponto de encontro ser na casa de João Capelão, que ficava quase no final da Av. Leandro Maciel. Como era ele metido a falar inglês adotamos o titulo naquela. Era uma molecada entre 14 e 17 anos que só pensava em se divertir. Seu Valdevino pai de João era um senhor rabugento, mas que nada fazia além de reclamar. O velho não gostava de Zé Dantas devido sua cara de pau. Certo dia Zé Dantas chegou procurando João e seu Valdevino informou que ele não se encontrava mesmo assim ele foi entrando mudando o canal da televisão para assistir seu seriado preferido, Nakia Parker, o velho ficou uma arara, reclamou e disse para ele não aparecer mais em sua casa, mas nada fez, além disso. João era apaixonado pela música de Elton John e montou no seu quarto a Boate A Patota, onde a gente se reunia para dançar, conversar e naturalmente ouvir rock. As meninas da rua sempre estavam presentes. Além das cinco irmãs de João ainda vinham às filhas de seu Cantilde, de seu João barbeiro, as de Santo do Brejo, as irmãs de Cláudio e mais as colegas de escola. Dona Maria, mãe de João era uma segunda mãe para todos, compreendia as vontades daquele grupo de adolescentes e muitas vezes participava das nossas conversas.

O VAMPIRO E O RATO

Figuras estranhas ou socialmente deslocadas são comuns em todas as cidades. Aqui em Lagarto não seria diferente e tivemos também as nossas. Tonho Saruê e Zé Fogo eram nossos representantes. O primeiro um carroceiro e o segundo um faz tudo. Tonho Saruê eu conheci quando morava em uma construção inacabada na praça da quadra - hoje praça do forródromo -, lembro que ele prestava algum serviço ao hospital e fazia transporte de todo tipo de mercadoria em sua carroça. Sujeito de pouca conversa, aquele baixinho provocava medo na gurizada que achava ser ele um vampiro. O velho Zé fogo era um fanfarrão que vivia fazendo pequenos serviços do centro da cidade. Quando Lagarto ainda não possuía estação rodoviária e o ponto de ônibus ficava na esquina das ruas Laudelino Freire com Lupicínio Barros, o dito sujeito trabalhava como carregador de malas ou ficava perambulando atrás de algum trocado. A sua fama de gatuno era grande, entretanto não havia outra pessoa para prestar o serviço de carregador. Várias vezes era ele pego com a "mão-na-massa", em uma delas saiu carregando um lombo com a dona da casa correndo atrás dele com uma vassoura, noutra roubou um despertador que acabou tocando ainda dentro da casa da vítima, em mais uma quando estava levando um gato do dono do posto Esso, colocou o gato próximo ao radiador de um carro que trocava o óleo do motor e quando o motorista deu a partida o gato foi despedaçado. Finalmente o motivo da maior gozação contra o pobre Zé Fogo: Certa vez, o dito roubou um galo e assim como o despertador, ainda dentro da casa da vítima o danado do galo soltou o canto. Então, quando alguém queria gozar da cara dele, ou fazia o cocoricó do bicho ou perguntava: Zé Fogo, cadê o galo? Em resposta um palavrão: Tá no c... da mãe!

domingo, 28 de setembro de 2008

MEU PRIMEIRO VIOLÃO

Num certo dia qualquer eu estava na casa de Marcos Monteiro quando vi seu irmão Alceu colecionando alguns discos. Alice Cooper, Ozzi Osborne, Pink Floyd e por aí. Nesse tempo eu ainda não conhecia tantos roqueiros e foi através dele e depois de Gilson Menezes que me ensinou os primeiros acordes de violão que fiquei conhecendo o mundo do rock and roll. Alceu cantava e tocava muito bem. Era um cara despreocupado com a vida e vez em quando eu o encontrava sentado no meio fio da sua casa dedilhando o pinho. Daí veio o meu interesse em aprender música. Eu tinha 13 anos e já ganhava alguns trocados pintando placas de estradas, quando estava com dinheiro suficiente para comprar o instrumento, falei com minha mãe para que autorizasse a compra ela falou com um tom de desaprovação: fale com o seu pai. Esperei meu pai chegar de Tobias Barreto, onde trabalhava e ele falou: se você tem o dinheiro pode comprar. feliz da vida liguei para meu irmão Adherbal que morava em Salvador e mandei o dinheiro para que ele comprasse. Depois de alguns dias chegou meu primeiro violão. Não era dos melhores, mas era suficiente para começar, da marca Reis dos Violões, era todo preto com o tampo vermelho. No primeiro dia de aula cheguei em casa tocando “Chuá-chuá e cada macaco no seu galho”. Meu pai vendo minha dificuldade em afinar o instrumento me pediu e começou a dedilha-lo, fiquei surpreso pois não conhecia esse seu dom e ele foi lá no fundo do baú e trouxe uma fotografia sua de quando era fuzileiro naval tocando o instrumento. Estava explicado.

EXPLOSÃO NA SORVETERIA

Como era costume da turma, o jogo de bola no oitão da igreja corria solto até que explosões e rajadas de fogos de artifícios em grande volume foram ouvidas parecendo o ápice de uma importante festa - a sorveteria de seu Agnaldo ficava na esquina do segundo trecho da Rua Acrízio Garcez e a partir do mês de abril comercializava produtos pirotécnicos. Engraçado é que o que me trás mais recordações de lá não são os fogos mais o picolé de caldo-de-cana -, a fumaça preta logo se espalhou pelo quarteirão. Enquanto os adultos apareciam nas portas das casas, atordoados e buscando saber do que se tratava aquele barulho, a molecada corria ao local do incidente imaginando ser alguma disputa entre turmas. Quando chegamos o seu Agnaldo estava sendo retirado do local em estado de choque. Felizmente ninguém sofreu queimaduras, mas o coitado do comerciante teve que ser internado por alguns meses. Prejuízo mesmo sofreu a turma, afinal, nossos pais sempre se referiam a respeito do perigo dos fogos de artifícios, eu mesmo já sentira na pele, mas a sensação de ver a limalha queimando é indescritível. Os anos passaram e as tradições vêm sofrendo os reveses da modernidade e do bom senso.

sábado, 27 de setembro de 2008

O CINEMA DO PADRE

Quando Pe Mário chegou da Itália, imaginou encontrar onça e índios andando pelas ruas. Máquina fotográfica a tira-colo não perdia oportunidade de flagrar alguma coisa pitoresca. Algum tempo depois, durante a semana santa passou a fazer projeções dos seus achados no oitão da igreja. Milhares de pessoas traziam cadeiras e esperavam pela novidade. Olha eu ali, esse é fulano de tal, de repente um negrinho pelado subindo nu em um mamoeiro e todos caiam na risada. Fazendo seus comentários num megafone o jovem padre ia conquistando a comunidade. Enquanto a projeção se realizava as luzes da praça ficavam apagadas formando um imenso cinema ao ar livre.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

CAGARAM NO COPO

Eu ainda não tinha idade para freqüentar clubes e boates. Em Lagarto havia uma de nome Bandeira 2, de propriedade do funcionário do Banco do Brasil Rinaldo Santos, que era considerada de muito luxo para a cidade. Ficava no andar superior de um prédio localizado na praça da rodoviária. Vez em quando artistas famosos vinham se apresentar movimentando toda a sociedade lagartense. Era um desfile de pessoas bem trajadas e bonitas para o evento. Se eu não estiver enganado era o Cassino de Servilha que iria se apresentar naquela noite. Não sei dizer se foi antes ou depois da apresentação da grande banda e a bebida já alterava os ânimos de muitos jovens. Depois vieram as confusões até que alguém (No dia seguinte a festa toda a cidade já comentava o incidente) chega ao extremo de subir na mesa e defecar num copo de bebida. Era comum aos jovens “filhos de papai” demonstrarem sua falta de educação e arrogância, ou batendo nos rapazes mais pobres ou mesmo demonstrando estarem acima da lei realizarem todo tipo de irresponsabilidade. Contrariado com a humilhação sofrida Rinaldo resolveu fechar a boate. Como lembrança daquela casa noturna, tenho guardado um cartão de credencial para entrada da festa.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

NO BECO DE MIRENA

Antigamente a iniciação sexual dos garotos se fazia nos cabarés. Minha família era muito religiosa e jamais meus pais poderiam imaginar tal coisa para os filhos. Apesar disso nunca fomos santos mais também sempre evitávamos freqüentar lugares do tipo. Até jogar sinuca era proibido, entrar em bares nem pensar. Certa feita após sair de um baile na AAL, Bututim me chamou para tomar umas cervejas na casa de uma amiga e lá vamos nós. Primeiro paramos no final da Rua Mal. Deodoro e depois descemos o Beco de Mirena até uma casa onde funcionava uma boate popular. Somente uma luz vermelha iluminava aquele ambiente pouco amigável. Alguns santos colocados atrás da porta principal mal iluminados por tocos de velas. Eu sentia nojo de tudo, os copos que eu não podia ver a qualidade da limpeza, até a cerveja meio quente. Nisso chega umas das damas e chama Bututim até um quarto. Fiquei assustado ao me sentir sozinho naquele ambiente. Passado algum tempo chegou uma garota e começou a conversar comigo. Disse que era nova no ramo e que assim como eu nós podíamos nos ajudar. Ainda meio desconfiado fui cedendo aos seus encantos. Já sob o efeito da bebida nada mais tinha importância. No dia seguinte algo não estava funcionando bem para mim, passei o dia me cheirando e os amigos me perguntavam: o que você tem ? nada, nada, respondia. Era o cheiro do amor maldito que me impregnava.

BUTUTIM E O PARADA SEIS

Lagarto já possuía o Los Guaranis, mas um novo grupo musical começava a surgir, era o Parada Seis. Composto por Rinaldo Prata no baixo, Raimundo na guitarra, Geraldo na percussão e Bututim na bateria, eles ensaiavam no quartinho nos fundos da casa de seu Nicolau na rua Senhor do Bonfim. Meu irmão Adherbal era o técnico e empresário da banda. A aparelhagem era bastante precária, mas para época, as exigências eram quase nenhuma. Foi na primeira apresentação no salão da AAL que ousei convidar a primeira garota para dançar. Um e outro pisão ali outro aqui, até que a donzela foi me ensinando os primeiro passos de dançarino. Olha que nos anos setenta eu e meu amigo Manoel depois conhecido por Michael usando os confortáveis sapatos cavalo-de-aço muitas vezes mostramos nossas proezas como dançarinos de black music. Mas a história aqui é outra, Bututim se gabava de ser um grande baterista. Foi num baile realizado na AABB no prédio onde hoje funciona o Rotary Club que ele mostrou suas proezas. O salão repleto de dançarinos e a banda tocando os rocks da época. De repente a banda faz a mudança de uma música para outra e o desenvolto baterista toca a baqueta no prato com mais força que o de costume. O prato é lançado ao ar e voa sobre as cabeças dos animados dançarinos indo parar longe. Ninguém saiu ferido mas até hoje Bututim garante que a história não é verdadeira. Realmente não posso afirmar pois não estava lá, mas que é verdade isso muita gente afirma.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

CADÊ OS DOIDOS ?

Eu não sei por que as cidades tendem a crescer! No tempo que eu era garoto, Lagarto possuía uma leva de doidos de dá inveja a qualquer hospício. Maria do Céu ou das flores era uma jovem que vivia vestida de noiva e vez em quando aparecia pelas ruas carregando um buquê, dizem que ela ficou maluca por ter sido abandonada no altar. Poloxia era mais bêbada do que doida e vivia dizendo palavrões pelas ruas. Zé do Egito era o intelectual, vestia um terno surrado, falava manso e andava com um maço de papeis velhos debaixo do braço pregando a bíblia. Tinha o doidinho de Paripiranga que tocava um tarol rua baixo rua acima e sempre de costas, mas na semana santa se vestia de Jesus Cristo, colocava uma cruz nas costa e saia arrastando pela cidade. Certa vez inclusive, ali em frente ao Hotel Palace (atual Centro Comercial José Augusto Vieira) assisti ele pregar: quarta estação Jesus cai... E lá vai o doido pro esgoto, acabando por rachar a cabeça e sair todo ensanguentado. Cú-de-chita era outro mais bêbado que doido, Olímpio era violento e gostava de jogar pedras na garotada. Já Marinheiro era doido mesmo. E tem gente que diz que o progresso e que endoida as pessoas, pode?

A PIPOCA DE SEU MENINO

Seu menino era um velho pipoqueiro que mantinha seu carrinho no canto da Pça. Filomeno Hora defronte a casa do Seu Dionízio e por muitos e muitos anos todos os fins de tarde ali estava ele esperando a clientela. Sair do Colégio para encontrar os colegas era o costume diário e naturalmente regado ao saquinho de pipoca do seu menino. O cheiro se fazia sentir ao longe. Em determinados momentos a quantidade de pessoas era grande e o velho pipoqueiro se danava e fechava a portinha do carro não atendendo a ninguém. Depois dos ânimos acalmados voltava a torrar o milho. Às vezes ficávamos esperando a pipoca sair quentinha, mas na hora de entregar o saquinho ao comprador algum ricaço parava defronte do carrinho e a pipoca ia parar nas mãos do felizardo. Então começava a reclamação. Seu menino se mantinha calado como se nada tivesse acontecido e continuava a torrar sua pipoca. Outro dia encontrei o velho pipoqueiro e perguntei Seu menino cadê a pipoca? E ele todo feliz da vida respondeu: menino não agüento mais arrastar o carro não!
PS: O velho pipoqueiro partiu e agora anda pelo céu fazendo pipoca para os anjinhos

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

UM CIGARRINHO PREU FUMAR ?!

Certo dia pela manhã, um casal de Hippes se arranchou no palanque da praça. Vestidos com roupas de inspiração indiana e índio americano fabricavam artesanato de metal o que atraiu a curiosidade da garotada. Ela era uma moça muito bonita, loira de cabelos feitos longas tranças, possuía olhos azuis como um brilhante. O rapaz não sei bem seus traços devido à barba por fazer e o cabelo desregrado. Tocava violão e falava somente gírias incompreensíveis. Ficaram muitos dias ali sem que ninguém os importunassem. À noite vendiam seus badulaques o que lhes arranjava algum dinheiro. Por vezes pedia algum alimento aos moradores da vizinhança. Certo dia minha mãe falou para que ninguém se aproximasse deles porque eles fumavam maconha. Foi um espanto o que seria maconha, e ela explicou que era um cigarro que eles fumavam e todo mundo adormecia, assim podiam roubar as pessoas. Quando finalmente fiquei sabendo o verdadeiro efeito da eva passei a achar engraçado a forma infantil como minha mãe tentava esconder de nós os perigos do mundo. Durante minha adolescência não convivi com ninguém que consumisse a tal droga, fumava-se e bebia-se muito, mas desconheço alguém que tivesse utilizado tais produtos.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

AS PLACAS DE ACRÍLICOS, ANTENAS DE TV E O PROGRESSO

Colocaram mais uma antena de televisão. Era a de número setenta e dois e ficava na casa de Zelão na Rua Laudelino Freire. Lagarto evoluía, o progresso era contado pelas "espinhas de peixe". Na praça da piedade um aparelho de TV colocado pela prefeitura atendia as necessidades da população pobre. Televisão colorida só na casa seu Nouzinho e de Ribeirinho na Praça da Piedade. Placas de acrílico nos frontais das lojas demonstravam o crescimento econômico do município. Isso era no tempo das vacas gordas da COOPERTREZE exportando fumo e laranja. Todo mundo lucrando com o progresso. Concessionária da Volkswagen na Lupicínio Barros, Padaria de Julio Modesto na Laudelino Frei até um cabeleireiro que chegara à cidade trazendo novos corte, era o "Machão" instalado no conjunto Silvio Romero. Na Praça Filomeno Hora uma barraca de revistas que vendia até maçã argentina. Lagarto vivia um período de euforia que só veio a ser barrado após o surgimento dos grupos políticos Saramandaia e Bole-Bole.

BRINCADEIRAS DE INVERNO

Bastava chover que as brincadeiras mudavam. Aproveitando a terra molha o furão era uma das apreciadas. Essa brincadeira era considerada pelos adultos um tanto perigosa, pois, ao lançar o furão esse poderia penetrar no pé provocando grave ferimento. Para quem não conhece, o furão não é nada mais que um grande prego que lançado sobre a terra ia sendo enfiado e o jogador numa sucessiva ordem de lançamentos fazia uma linha que deveria prender a linha do adversário. Outra maneira de jogar era desenhando um peixe na areia e jogar seguindo seu traçado. Para os mais craques o desafio era jogar no índio, ou seja, lançar o furão fazendo-o girar sobre seu eixo e cair na posição correta no chão. O jogo de marráia ou bola de gude era outro bastante procurado. Ter uma bolinha com desenho de carambola era um privilégio devido à dificuldade de encontrá-la. O jogo era formado por dois ou mais jogadores que deveriam lançar as bolinhas em direção a última das três búicas e iniciava o jogo quem conseguisse colocar a bolinha dentro ou o mais próximo dela. Primeira, segunda, terceira, primeiro papo, segundo papo e dimanche. Retirar a bola do adversário da búica era também um objetivo. Quem primeiro atingisse o objetivo ficava com as bolinhas dos adversários. Vez em quando uma bolinha caia na búica e desaparecia era obra dos meninos que faziam armadilhas no subsolo para ganhá-las mais facilmente.

AS MELANCIAS DA CATITA

nio de Chico Rico, quando garoto, era muito briguento e vinha para a Praça da Piedade participar das nossas brincadeiras. Não perdia a oportunidade para impor suas vontades e como era bom de briga sempre a garotada acabava se submetendo. Naquela noite, a brincadeira de "cabana" - formavam-se duas tribos no primeiro momento uma tribo teria que prender a outra que para isso era necessário apenas o inimigo tocar no outro. A segunda parte da brincadeira era soltar os amigos também bastando apenas tocá-los - iria se espalhar pela cidade e não somente nas redondezas da praça da piedade. Dênio acostumado a circular pelos quatro cantos comandou a brincadeira, mas sem antes querer fazer uma briguinha com um dos garotos. Minha mãe não permitia que eu e meus irmãos nos afastássemos dali por achar perigoso e ficamos sentados na porta da casa ouvindo a conversa dos adultos. Algum tempo depois a turma reaparece em grande correria vindo pela travessa Municipal e concentram-se no correto da praça. De longe dava para se saber que alguma coisa tinha acontecido, quando enfim nos reunimos ao grupo notamos os semblantes assustados. O fato é quê, quando corriam pela Rua de Simão Dias, já no caminho da catita descobriram uma plantação de melancia e não tiveram dúvida, entraram para colher alguns frutos. Só que não esperavam a presença do dono que os recebeu com tiros de espingarda. Felizmente os cartuchos utilizados só contiam sal que provocaram apenas algumas pequenas queimaduras e nada mais sofreram. Ainda bem que detesto melancia e dessa aventura malograda fui salvo. Quanto ao Dênio, ele ainda continuou perturbando a turma por muito tempo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O SAMBÃO

É"ramos alunos da 6ª série do Laudelino Freire quando resolvemos montar um sambão. Sempre nos intervalos das aulas Geraldo da farmácia ou “Piga” como o conhecemos se apresentava como baterista tocando com uma régua na pulseira do relógio e no tampo da carteira. Ai todo mundo acompanhava e lembro a musica que mais a gente cantava... “Numa tarde linda eu me lembro ainda no velho cais dourado...” Havia um palco na sala que muito antes do nosso período era usado pelo Grêmio Escolar para realização de festas e lá ficavam as meninas da sala dançando. Padre Mário descobriu a algazarra e proibiu a continuação da brincadeira. A partir dali passamos a ensaiar na casa de Marcos Monteiro, a essa altura alguns instrumentos foram acrescentados, mas o grupo musical morreu por ai mesmo.

O SACO DE RISADAS

Vou preservar sua identidade por respeito e apreço que tenho a essa professora. Eu estudava na 6ª série no Laudelino Freire quando o fato aconteceu. Meu irmão Adherbal morava em Brasília e vindo passear em Lagarto me presenteou um saco de risada. Era um aparelho que reproduzia o som de risos ininterruptamente provocando risos generalizados. A sala de aula estava em pleno silêncio quando resolvi acionar o aparelho. Todos começaram a dar risadas e aos poucos já era impossível controlar-se. A professora também entrou na onda e soltava grande gargalhada. Muitos choravam de tanto rir até que a infeliz não suportando mais se urinou na frente dos alunos. Naquele momento pensei que estava frito mais ela juntou seus livros e saiu ainda soluçando. Alguns colegas me perguntavam esse negócio é seu? E eu fazia cara de inocente. No dia da próxima aula ela entrou toda séria e nada falou. Ah! Quanto ao saco de risadas. Guardei numa gaveta e nunca mais quis saber de suas risadas.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A CADEIRA DO CHEFÃO

Seu Dionízio Machado era um velho político bastante respeitado, morava no antigo casarão amarelo na Praça Filomeno Hora onde meu pai costumava ir jogar gamão todas as tardes com os antigos correligionários da UDN, ou dividir uma partida de buraco com o velho caudilho. As pessoas o tratavam com grande respeito e reverência, jamais alguém se aventurava em sentar no seu lugar predileto. Aí começa nossa história. A cidade comemorava a vitória do Dr. João Almeida Rocha eleito prefeito municipal. A praça repleta de eleitores buscava uma melhor posição para receber o chope distribuído num caminhão. No meio da brincadeira começaram a distribuir penicos de plásticos para serem usados como canecas. Ganhei o meu e acabei encontrando um bom lugar encima dos barris. Lá para tantas como ainda não tinha por hábito a bebida, comecei a sentir os sintomas da embriaguez e fui parar no belo prato de farofa, arroz e carne distribuído nos fundos da casa do chefe político. Meio grogue, na primeira cadeira que encontrei vazia fui logo sentando. Por coincidência era a única vazia da sala e de balanço forrada de palhinha, depois de algumas boas balançadas acabei adormecendo nos braços do deus Baco. Ao final da tarde, meus irmãos por mim procuravam e nada de encontrar-me, finalmente entram na casa e me encontram num longo e profundo sono alcoólico. No meio do burburinho as pessoas gritavam e corriam para a porta da casa, nisso acordei e fui ver do que se tratava e não era mais que o meu pai tocando o acordeom da minha irmã e animando a festa. Pensei: estou salvo e caí na folia. Depois que os ânimos da festa foram cessando retornei para casa e tomei uma bela ducha para reanimar. Era a vitória do seu candidato e certamente meu pai não iria achar tão mau assim. Após algum tempo chega ele carregando o acordeom e falando da minha bebedeira, dizendo que as velhas irmãs fizeram de tudo para que eu saísse de sua cadeira enquanto seu Dionísio caía na risada. Certamente os puxa-sacos presentes depois do riso do velho coronel também acharam graça. Depois do comentário outras pessoas foram chegando e todos esqueceram do ocorrido.

A BALSA

Minha mãe era uma mulher dinâmica e nunca ficava sem ganhar algum dinheiro. Quando viaja estava sempre de olho nas vitrines ou em algo que poderia render uns bons trocados. Todos os anos ia a São Paulo, Rio de Janeiro e por aí a fora em busca de novidades. Sempre que meus pais viajavam faziam questão de levar quantos filhos fosse possível. Poucas vezes viajaram sozinhos, mas dessa vez eles foram ao Rio de Janeiro onde pretendiam adquirir um carro com mais espaço para o transporte da família e das compras. Hospedados em casa do meu tio Cazé, irmão do meu pai eles foram até um seu amigo que estava vendendo um carro americano que era uma maravilha. Naquela época a gasolina era barata e quanto maior e mais potente o motor o carro seria de interesse, foi só bater o olho no carro e o negócio foi fechado. Lembro quando meu pai chegou da viajem com um boné estilo português, minha mãe com um lenço na cabeça e o banco traseiro lotado de compras, buzinando e acelerando o motor na porta da casa alertando inclusive a vizinhança. Rapidamente não faltou engraçadinho para apelidar o carrão vermelho de a “Balsa” de Adalberto. Impala era seu modelo e passeávamos pelas ruas irregulares de Lagarto sob os olhares de inveja e gracejos. Algo curioso era que o velocímetro não media quilômetros, mas milhas e durante a viajem do Rio para Lagarto meu pai foi parado por um patrulheiro que o questionou: O senhor gosta de uma carreirinha não é? E meu pai todo inocente falou: seu guarda eu não passo de oitenta. Aí o policial entendeu o equívoco e orientou o afoito motorista que aliviou o pé e só chegou em casa três dias depois. Finalmente cansado de ouvir muitas gozações meu pai resolveu se livrar da balsa e o pior é que o comprador se esqueceu de efetuar o seu pagamento.

QUIUTO

Qual o garoto que na infância não desejou ter um bicho de estimação? Certo dia, resolvi criar um periquito, fui até a feira e comprei um filhote do tipo conhecido por periquito de velande. Uma espécie pequenina de forma arredondada e que na parte de baixo da asa tem as penas azuis contrastando com o verde bandeira do resto do corpo, bastante valente e vive na natureza em grandes bandos pelo sertão. Meu exemplar era ainda muito novinho e construí uma gaiola do tipo usada para papagaio. Quando ele começava a dar mostras de querer voar eu cortava as asas e ele voltava a ficar como um papagaio. Dona Ana, uma senhora baixinha que morava na rua dos fundos da minha casa, me ajudou a domesticá-lo e apelidou-o de Quiuto. Todos os dias ela vinha visitá-lo e ele já a reconhecia. Finalmente Quiuto ganhou a afeição da família. Sua gaiolinha ficava pendurada na cozinha e durante as refeições ele fazia suas algazarras. Mas num certo dia ao amanhecer o periquito não estava na gaiola procurei por todo canto e nada até que encontrei um punhado de penas na escada da casa, chorei de raiva e parti para a vingança. Cheguei à conclusão que algum gato o tinha devorado e a partir desse dia criei uma inimizade mortal com os felinos. Foi então que resolvi criar a Sociedade Secreta Inimiga dos Gatos SOSIGA. Durante muito tempo não ficou gato na vizinhança que sobrevivesse as minhas pauladas. Eu contava com a ajuda de Nanam que odiava os gatos, pois eles defecavam nas camas e cavavam o jardim da casa que ela tanto cuidava. Na verdade eu não sei por que nós humanos nos afeiçoamos tanto pelos animais. Depois do Quiuto eu ainda tive mais dois cães antes de abandonar de vez o desejo de possuí-los. Negrita foi uma cadela pastor alemão que eu ganhei de um major do 28 BC quando estudava em Aracaju e que se tornou o xodó do meu pai, inclusive morreu entre suas pernas motivado por ingestão de água sanitária deixada indevidamente em uma bacia. O outro foi um cão da raça Dobermann que eu ganhei de um cliente do Banco do Brasil, quando trabalhava em Euclides da Cunha BA, mas que eu doei a um colega após ele me atacar.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

CAVACO CHINÊS, QUEBRA-QUEIXO E PIRULITO

Geralmente era no fim da tarde. O homem carregando uma lata de bolacha Maria nas costas e tocando triângulo. Era ficar esperando de onde viria o vendedor ambulante. De repente surgia em alguma esquina e todos corriam para comprar cavaco chinês. Era um biscoito em forma de charuto e com aspecto da hoje conhecida casquinha de sorvete. O produto adocicado e sequinho tinha um sabor agradável e dissolvia na boca. Já o Homem do Quebra Queixo se apresentava com uma bandeja de flandres tocando o realejo e cantando: Ói o quebra queixo da Bahia, perna de velha arranhenta, perna de moça macia. A cocada com o coco tostado e no ponto quando agarrava nos dentes era difícil descolar, daí o nome. O vendedor de pirulito andava com uma tábua presa numa vara e cheia de pirulitos enfiados em buracos perfurados na madeira. Os pirulitos tinham a forma de cone e eram feitos de mel e açúcar, sua freqüência era menor que a dos outros vendedores. Com o tempo apareceram os carrinhos de flal e gut-gut isso já no tempo das essências químicas. Daí por diante os produtos naturais foram perdendo a graça.

terça-feira, 22 de julho de 2008

SONHO DE CINEASTA

Dlumesde pequeno sou apaixonado pela sétima arte, hoje as crianças não conhecem os cineminha de lâmpada de mercúrio, mas naquela época todos queriam ter um. Anselmo de João Briba tinha um feito de caixa de papelão e tiras de gibis, mas esse tipo não era o que eu sonhava, faltava a imagem projetada e poder ver nossos heróis e bandidos. Enfim, conheci certa vez um garoto mais velho que eu e morava na esquina da Rua Floriano Peixoto com a Ladeira do Rosário e seu pai era dono de uma bodega naquele local. Ele me chamou para conhecer seu projetor, fiquei encantado, tinha até fita de mulher nua, cowboys, Canal 100 e figurinhas Plic-Ploc que vinham no papel do chiclete e como o papel era semi-transparente conseguia ser projetado com alguma qualidade. Como eu não tinha dinheiro suficiente para adquirir o desejado projetor, acabei até revendendo garrafas, mas o capital era pouco, pois toda vez que eu conseguia o suficiente o esperto garoto dizia que tinha conseguido mais filmes e estava mais caro. Desolado pensei em desistir do projeto até que certo dia ao passar pelo cinema encontrei alguns pedaços de fita e então passei a projetar o meu próprio aparelho. Procurei entre os familiares velhas lentes de óculos que não lhes serviam mais. Consegui com seu Detinho da Radiofon uma lâmpada de mercúrio enorme - ele era o chefe da manutenção elétrica do município e sempre ficava com uma velha caminhonete pick-up verde em frente a sua casa onde guardava as lâmpadas retiradas dos postes. Fui até a marcenaria de seu Bebeto próximo à igreja Presbiteriana onde ganhei algumas sobras de madeira e compensado. Eu possuía um conjunto de ferramentas presenteado por meu pai e que era compostos de vários serrotes e formões. Caprichei na montagem e finalmente meu cineminha estava pronto. Para saberem como era feito o aparelho aqui vai a dica: Um retângulo de madeira com uma tábua no fundo, alguns furos na parte de trás para dissipar o calor, um furo retangular do tamanho de um frame de cinema para passagem da luz, uma lâmpada forte para clarear bem - quanto mais luz melhor a projeção - uma lâmpada de mercúrio sem a parte de alumínio e o miolo para colocação de água e se tornar uma lente de aumento e mais uma lente de óculos com grau forte para fazer as correções na projeção. Está pronto o cineminha. A partir desse dia comecei a vasculhar o lixo do cine Glória pulando pelo muro da Vila Meire e sempre conseguia alguns pedaços de fita. Às vezes durante a projeção de filmes a fita quebrava para minha alegria. Passei enfim a freqüentar a porta da sala do projetor e sempre que ele se distraia eu conseguia mais alguns pedaços. Claro que aquele pequeno roubo não traria prejuízo para ninguém, mas para mim era o material que faltava. Com o tempo já possuía um grande acervo de frames. Os que eu mais gostava eram do filme Quando as Mulheres Tinham Rabo, além deles eu possuía muitos cartazes feitos de recortes de jornais, principalmente do A TARDE da Bahia.. Algum tempo depois, meu irmão Deodoro ganhou um toca fita Philipps que eu usava para sonorizar as projeções. Como a molecada não lia bem eu fazia a dublagem. As projeções ocorriam sempre na cozinha da minha casa, mas às vezes levava o aparelho para casa de amigos. O nome do cineminha era Cine Plaza. Quando enfim veio a maturidade guardei as caixas com milhares de frames e o já velho cineminha. Alguns anos depois já morando em Paripiranga lembrei do brinquedo e fui procura-lo no velho salão da casa dos meus pais. Para minha tristeza só havia de remanescente uma velha lata de filmes cheia de retalhos do Canal 100. Desiludido, ali mesmo deixei-a e nunca mais procurei saber do seu destino.

O CIRCO PEGOU FOGO

A Televisão ainda era coisa de poucos abastados, mas isso não era problema para a garotada matar o tempo e estimular a criatividade. Novos meninos tinham chegado à cidade. Eram os filhos de seus Netinho do bar, Edilton Anselmo e Junior. Vindos de Salvador possuíam hábitos bastante diferentes dos nossos, chamavam "arraia" de "pipa" e sabiam fazer um tipo só com papel que lhes davam o nome de periquito. De logo fizemos amizade e resolvemos certo dia organizar um circo nos fundos da minha casa. Na parte superior existia um grande compartimento o qual chamávamos de salão e que servia para guardar móveis velhos e outros “bregueços”. Era um ótimo lugar para explorar a imaginação juvenil. Organizamos as roupas e colocamos num armário que servia para guardar os moldes de desenhos utilizados por minha mãe para confeccionar lençóis e toalhas. Até aquela época eu nunca tinha visto sungas de nylon. Para tomar banho nos rios era com calção de algodão mesmo. Naquele dia ia acontecer um grande jogo entre o lagartense e o time de Itabaiana. Não podíamos faltar afinal às partidas sempre acabavam em briga das torcidas e, assistir é muito melhor que ouvir falar. O campo ficava onde hoje é o Colégio Laudelino Freire. Mas a nossa torcida acabou cedo. Lembro que em pleno jogo alguém nos avisou que o circo tinha pegado fogo. Saímos correndo e quando chegamos a casa as chamas já haviam sido controladas. Nanam comentava que Epitácio, meu irmão mais novo, tinha ateado fogo no armário e avisado que estava um "fogão". Concluindo a história, o circo terminou ali mesmo e a sunga de Edilton derreteu-se em meio às chamas. Quanto ao jogo foi um Deus nos acuda, o lagartense perdeu e os torcedores quebraram os ônibus da torcida adversária. A avenida contorno estava sendo calçada e o que não faltou foi paralepípedo para encher o transporte dos “ceboleiros”. Desolados ainda acompanhamos meu irmão Adherbal contar em detalhes o desfecho da confusão no estádio. Quanto ao resultado da partida? Acho que naquele instante era o que menos importava.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

500 VISITAS

Neste dia em que derrubamos os muros da Bastilha estamos comemorando mais de 500 visitas. Obrigado a todos que se divertem com minha crônicas. Só faltam os comentários. Obrigado !

domingo, 13 de julho de 2008

TETÊ

Era uma velhinha miudinha que andava sempre de preto com um manto cobrindo o rosto e um guarda-chuva debaixo do braço. Todas as noites quando a cidade começava a se acalmar saia ela de sua residência a Rua Cel. Souza Freire. Parava em frente a igreja, se ajoelhava e rezava, depois seguia em direção ao cemitério. A molecada tinha um medo danado da velhinha, mas ela nenhum mal fazia. Quando a meninada dela se aproximava querendo saber como era seu rosto falava palavras incompreensíveis e seguia em frente. Na verdade não sabíamos o por quê daquele hábito soturno, mas era quase como um relógio anunciando que à hora de ir dormir estava próxima, algumas vezes a turma acompanhava de longe para ver o que a velha ia fazer, mas como sempre seu Jessé o coveiro do cemitério, deixava a porta aberta para seu acesso. Dizem que ela ia tão somente fazer suas orações para os parentes já falecidos. Lembro que certa vez Tonho de Lia que instalava antenas de televisão comentou que enquanto colocava uma na casa de uma vizinha da velha, ouviu Tetê conversando com os espíritos. Como era costumeiro faltar energia as noites, certa feita resolvi modelar uma caveira usando um mamão verde e colocando dentro uma vela acesa. Para minha sorte naquela mesma noite a luz foi embora cedo. Quase em frente a minha casa ficava uma das fontes da praça e nela havia uma pedra de cimento redonda. Foi ali mesmo que eu coloquei o meu artefato. As pessoas passavam vindo da missa e se benziam ou diziam coisas do tipo: cruz credo e “vije” Maria. Naquele tempo o jardim da praça ficava sempre bem cuidado e florido. E lá vem Tetê. Chegando perto da fonte para colher algumas flores para levar ao cemitério, finalmente avista a caveira e sai proferindo suas palavras incompreensíveis. Minha mãe vendo o mal feito foi logo me chamando e passando aquele corretivo e eu, sem poder argumentar que a intenção não era assustar a pobre velha. Taí mais uma figura folclórica da antiga Lagarto e que por muito tempo povoou o imaginário da garotada que brincava na Praça da Piedade.