terça-feira, 27 de maio de 2008

FALANDO FRANCÊS

Eu lembro bem: 5ª D, terceira sala do final do corredor. Por coincidência a nossa turma quase toda se alojou nela. O diretor do Laudelino, nosso prezado Pe. Mário viu logo que não seria uma turma das mais fáceis de controlar. Nos primeiros dias descobrimos um cajueiro nos fundos do colégio onde costumávamos subir para bater papo e olhar a vizinha do colégio que costumava mostrar suas partes íntimas. Certos dias alguns mais afoitos pularam a cerca que separava do colégio com a finalidade de manter relações sexuais com a mulher que era meio doida. Enquanto a fila se formava para o evento o marido dela que era lenhador entrou em casa e foi aquele alvoroço. Pe Mário descobriu e chamou a atenção de todos, mas não puniu ninguém, no entanto afirmou que numa próxima vez haveria expulsão do ginásio. Eu naquela época era muito tímido e não tinha coragem de enfrentar os professores e por esse motivo, fui vítima de uma grande injustiça: A professora de francês era Josete que acabara de chegar de Salvador e vinha com toda a moral para ensinar os pobres tabaréus do interior. Certa vez ela passou para os alunos prepararem trabalho sobre o corpo humano colocando as partes em francês. Trabalhei vários dias e como desde pequeno desenhava bem resolvi fazer a pintura de uma mulher no tamanho natural. Quando apresentei o trabalho todo orgulhoso recebi um "zero" alegando ela que teria sido feito por minha irmã Marielza, conhecida por seus trabalhos de artes. Fiquei decepcionado e depois desse dia nunca mais quis saber de fazer trabalhos elaborados, no máximo uma folha de papel pautado.

NÃO VOU MAIS !

Eu estava entrando na adolescência quando sofri uma terrível queimadura. Era dia de São João e naquela época o cruzamento das ruas Senhor do Bonfim e Misael Vieira virava o “Arraiá do Primeiro Pingo”. Era organizado por Zé Monteiro proprietário do bar que ficava naquela esquina. Ao entardecer os primeiros busca-pés eram acesos e quem tinha muita coragem podia beber a vontade a cachaça colocada numa mesa bem no meio da rua. Eu acabara de chegar do colégio quando vi a molecada correndo até a esquina de Seu Nozinho. Solta o mijão cagão, gritavam. Aos poucos o movimento de fogos acalmou e resolvi da um espiadinha no arraial, quando já chegava perto da rua senhor do bonfim, Zé Pechincha vindo da Praça da Piedade lançou um estanciano em minha direção. Pula pra cá, pula pra lá até que o bicho explodiu. Então senti minhas pernas formigarem. Achei que era apenas o calor da limalha, assustado voltei para casa. Naquele instante minha mãe costurava juntamente com Dona Ester Matos os tecidos que iriam enfeitar o andor de Nossa Senhora da Piedade na festa de setembro. Ela falou para que eu ficasse em casa devido o perigo dos fogos e logo respondi: Não vou mais! Quando me dirigia ao sanitário para ver porque minhas pernas estavam dormentes, meu cunhado Hugo que estava sentado no canto da sala falou: Sua calça está pegando fogo. Ai foi o alvoroço, então compreendi que não era dormência mais uma terrível queimadura que tomava parte da coxa esquerda atingindo a genitália. Passei todo o período de férias na cama sem poder unir as pernas para não sofrer infecção, e pior, sem poder correr e brincar no quintal da casa. Eu morria de vergonha quando as amigas da minha mãe iam me visitar e acabavam dando uma ajudinha para passar pomada no pobre garoto. Uma delas era Lourdes de Pitu que dizia sempre: Eu lhe carreguei no colo por isso não tenha vergonha. Troquei suas fraldas e lhe dei banho. Pouco tempo depois já estava restabelecido e pronto para o São João do ano seguinte. Até pouco tempo atrás, quando alguém da família queria gozar de mim dizia: Não vou mais! E todos caiam na gargalhada.

ESSE ANO NÃO VAMOS TER FOGOS

Na véspera de São João, as portas e janelas das residências do centro da cidade eram cobertas por madeiras e papelões para evitarem a penetração de busca-pés. Algumas casas da Praça da Piedade possuíam grandes vidraças na frente como era o caso da nossa. Todos os anos lá iam eu e meu irmão Deodoro pedirmos algumas caixas no armazém J. Vasconcelos que ficava na esquina das Ruas Lupicínio Barros com Laudelino Freire. Cobríamos toda a vidraça da frente deixando apenas algumas frestas para assistirmos as guerras de fogos. A frente da igreja era um lugar apropriado, pois era largo e havia pontos de proteção. Lembro da fama de Santinho Machado, Nego de Pequeno e Andrevaldo que soltavam os busca-pés com classe e harmonia. A taboca incendiária formava belos aspirais antes de se chocar com alguma coisa ou explodir no ar. Quando algum não explodia ouvia-se as vozes ao longe gritarem: Solte o mijão cagão! Para quem não conhece o termo, mijão é o busca-pé que não estoura e cagão naturalmente quem o soltou. Apesar da violência da brincadeira era um espetáculo maravilho. Essa tradição não existe mais na cidade. Somente alguns garotos saem soltando pitus – busca-pés menores e sem limalha de ferro - amedrontando os poucos desavisados. Num certo ano, por castigo de tantas estripulias armadas por eu e meu irmão, meu pai disse que não teríamos fogos para soltar. Chegada à noite não armamos a tradicional fogueira. Ficamos dentro de casa sem ter o que fazer. Meu pai trabalhava na Coletoria Federal de Tobias Barreto e certamente não viria naquela noite. Quando já nos preparávamos para dormir mais cedo, eis que ele entra em casa trazendo um grande saco com milhares de bombinhas e fogos e foi aquela alegria. Providenciar madeira para a fogueira e tudo mais. Durante toda nossa infância nunca faltaram os fogos de artifícios, fogueiras, e os gostosos bolos, canjicas e pamonhas que minha mãe e Nanam faziam. Ainda hoje sou apaixonado pelos fogos de artifícios e para não esquecer o passado, nos dias principais dos festejos juninos, acendo alguns busca-pés e vulcões para alegrar a alma.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

OS ALBUNS DE FIGURINHAS

Quanto dinheiro jogado fora! Cada época aparecia os sabidões para vender álbuns de figurinhas com prêmios maravilhosos: bicicleta, violão, panelas, etc.etc. Entretanto, apenas pequenos brindes e sem valor eram conseguidos através das figurinhas premiadas ou completar todas de uma página. Mas por outro lado incentivava o conhecimento. Alguns álbuns tratavam de ciências, geografia, história e existiam aqueles específicos sobre esporte. A bodega de seu Maneca na Rua de Estância era muito freqüentada nesses períodos, a de seu Pedro na Rua Senhor do Bonfim também. Quando as figurinhas começavam a se repetirem era hora de trocá-las ou jogar no bafo-bafo que nada mais era do quê colocar as figurinhas em disputa sobre o chão e bater sobre elas com a mão em forma de concha para vê-las mudarem a face. Cada vez que o jogador conseguia o entento passava a ser o dono delas e assim sucessivamente. Para ser um exímio no bafo-bafo era necessário muita prática e quem a conseguia ficava famoso e temido entre a garotada.

OS DOCES DA MINHA AVÓ

Manhinha era como todos os netos chamavam nossa avó materna. Morava ela quase no final da Rua Acrízio Garcez, numa antiga casa de esquina e que nos fundos tinha um amplo quintal cheio de fruteiras. Eu costumava juntamente com meu primo Santo inventar todo tipo de brincadeiras, mas uma era da nossa preferência, ficar sentado nos galhos altos da goiabeira - principalmente no tempo das frutas - e ficar adivinhando que modelo de carro apareceria na Praça Silvio Romero. Tinha um pé carambola que vivia carregado e outro de groselha que ela fazia um doce de compota delicioso, além do resto da engenhoca de fazer caldo de cana e rapadura do meu avô. Outro passatempo e dessa vez delicioso era ajudar manhinha na confecção de balas de mel. Quando o doce estava no ponto ela ia fazendo as bolinhas de bala e nós íamos colocando o papel impermeável. Bastava ela tirar o olho da gente tome bala na boca, alguém chamava na cozinha e tome bala na boca. Finalmente desconfiada ou mesmo sabedora dos ajudantes que tinha começava a nos contar as histórias do fim do mundo. Acabavam ali os ajudantes. Morrendo de medo, logo íamos procurar outro divertimento menos tenebroso. Certo dia quando ela contava quem iria para o céu notou que Santo estava com a boca cheia de bala que não cabia mais, então ela falou: “Os brancos vão primeiro e os pretos se tiverem lugar sobrando”. Santo era moreno, aí aproveitei para tirar onda de sua cara e ele naturalmente não gostou. Saímos trocando tapas e pontapés. Minha avó não gostando do acontecido nos deu um castigo de ficar algum tempo sem poder freqüentar sua casa. No outro dia, olha nós de volta e ela fazendo de conta que esqueceu o castigo.

domingo, 18 de maio de 2008

AQUI NÃO FICO. NÃO!

Chica ou Francisca era uma moça que foi trabalhar na casa dos meus pais, vinda do povoado Quirino lá pras bandas do Jenipapo. Nunca tinha vindo à cidade, trazida por meu tio Pói aqui chegou com a roupa do corpo, ainda amedrontada com o movimento da cidade foi levada por Nanam para regar os canteiros de plantas que ficavam na entrada da casa. Como havia um jardim na parte interna a mangueira usada para aguar as plantas era bastante comprida. Passado algum tempo volta Nanam, para ver o serviço que a nova empregada estava realizando e para sua surpresa, Chica foi logo dizendo: "aqui eu não fico! Onde já se viu uma casa tão grande?!". Na verdade ela tinha passado à rua e estava aguando as plantas do jardim da Praça da Piedade. Após algum tempo já estava cursando o MANOBRAL, como ela chamava o MOBRAL e aprendendo a assinar o nome para votar nos respeitáveis políticos da nossa terra. Certo dia chega Chica vomitando e dizendo que tinha chupado uma melancia e que estava passando mal. Foram alguns dias de enjôo e nada da pobre doméstica melhorar. Nanam acabou ficando desconfiada e imaginou logo o tipo da melancia que a moça carregava na barriga e a levou ao médico, confirmando a gravidez. Envergonhada Chica resolveu voltar para sua terra. Meus pais não permitiram, ela não declarou quem seria o pai da criança e só permaneceu em nossa casa até o final da gravidez. Dona Joana, uma velinha do Jenipapo vez em quando dava notícia de Chica e sempre e sobre uma nova gravidez. Algumas vezes nos dias de feira ela vinha para cidade em busca de algum auxílio e como era benquista pela família não voltava de mãos abanando. Passaram-se alguns anos e nunca mais tivemos notícias da moça. Às vezes eu fico analisando o porquê das pessoas simples terem resguardo quanto à alimentação: manga com leite faz mal, comer jaca e beber água faz mal. Afinal o conhecimento popular não pode ser desprezado. Os anos passam e as experiências repetidas acabam se tornando o senso comum. Quem sabe se a pobre Chica tinha conhecimento sobre os males da natureza. Mas será que ela pariu uma melancia ou um melão?

sábado, 17 de maio de 2008

MEU PADRINHO NOUZINHO DA EMA

O sonho de todo garoto era ter um bom padrinho. É verdade que esse tipo de relacionamento social já não tem a mesma importância de outrora, mas aqui deixo registrado o meu apreço a uma pessoa que teve grande importância para mim. Era sempre uma alegria receber aquele baixinho careca. Morava seu Nouzinho na cidade de Estância e possuía uma excelente fazenda, de onde vem a alcunha de Nouzinho da Ema. Era ele além de fazendeiro representante comercial de uma grande empresa e sempre que vinha a Lagarto ficava hospedado em nossa casa e trocava horas e horas de prosa com o meu pai. Eram grandes amigos e claro, quando eu não estava informado de sua presença tinha alguém que corria para me informar. Ele me enchia de dinheiro e sempre com cédulas novinhas. Eu me esbaldava em gastos, era doce e figurinhas pra todo lado.

A COPA DO TRI

A copa do tri foi para a geração que a vivenciou muito mais importante que as dos títulos seguintes, era a chegada da televisão em todos os cantos, assistir a uma partida de futebol que se desenrolava em lugares tão distantes e ao mesmo tempo tão presente. É claro que tudo estava em preto e branco ainda, mas isso pouco importava. Assisti aos jogos na casa de Seu Detinho do Bar em frente ao Banco do Brasil, juntamente com seu filho Junior e mais alguns amigos. Como não havia espaço nas cadeiras nos colocamos embaixo da mesa, claro que na hora do gool tínhamos que lembrar do que nos protegia para evitar um galo na cabeça. Na final Brasil x Itália Nego de Pequeno colocou ao redor da calçada da igreja uma grande fileira de bombas que explodiram ao sabor da vitória e assim como em todas as outras cidades brasileiras a comemoração durou todo o dia. Foi um período de colecionar tabelas da copa, álbuns de figurinhas das seleções e pregar retratos dos tri-capeões na parede do quarto. A partir dali todo garoto queria ser como o sergipano Clodoaldo. Quem não sabia na ponta da língua a escalação do time? Surgiu na época um hobby interessante: colecionar tabelas da copa. Consegui diversas, mas a de minha preferência era do posto de gasolina Atlantic, era redonda e com várias partes que faziam as combinações dos jogos. Felix, Brito, Wilson Piazza, Carlos Alberto o capitão, Everaldo, Jairzinho, Clodoaldo, Gerson, Pelé, Tostão e Rivelino. Técnico Zagallo. A taça do mundo é nossa.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

AS FÉRIAS NO JENIPAPO

As férias de final de ano tinham um momento muito especial, passar alguns dias na fazenda Brejinho do meu tio Hipólito, ele e minha tia Florípedes nos recebia com um carinho todo especial, aquele cuscuz feito de milho ralado, o café torrado na chapa faziam parte da recepção. Lembro bem que num determinado ano eu e meu irmão Deodoro fomos dentro de um caçoá amarrado ao cavalo. Ao chegarmos lá os primos nos esperavam. Santo, Zé Romualdo e Evandro foram logo mostrar a fazenda de brinquedo construída embaixo de uma grande arvore. Pouco depois chegaram os filhos do seu "dotô“ chamando todos para ir até a mata derrubar um pau para construir uma gangorra. Querendo nos amedrontar mandaram colocar folhas de fumo no bolso para que a caipora não nos enganasse. À noite meu tio pói (Hipólito) mandou todos dormirem cedo porque diziam que uma mula sem cabeça andava rondando a casa. Ao amanhecer do novo dia fomos a pé até a fazenda brejinho de sua propriedade, onde Santo estava modelando uns bois de barro. Mais tarde fomos pescar e tive a sorte de fisgar um pequeno jundiá. Havia na fazenda um pomar de goiabeiras onde podemos apreciar alguns frutos e depois ir em direção à outra propriedade do meu tio num lugar conhecido por Sapucaia, onde existia uma grande plantação de cajus. De volta ao povoado era hora de degustar o delicioso almoço preparado por minha tia. À tarde fomos conhecer um belo minante conhecido por Taboca, ficava dentro de uma enorme grota onde a descida era difícil e vez em quando um escorregão não era surpresa. Surpresa na verdade tive quando cheguei até onde corria o riacho de águas cristalinas e cheias de pedrinhas brancas. As mulheres lavavam roupas semi-nuas o que me impressionou bastante. Evandro que era muito moleque trouxera um pneu velho do caminhãozinho do meu tio para brincar na ladeira, instantes depois lá vai o grito: "Sai da frente!" Tivemos de sair correndo, afinal o pneu poderia ter atingido alguém. Mais tarde meu tio mandou todo mundo ficar de castigo pelo mal feito. Depois de alguns dias e muitas traquinagens voltamos no caminhãozinho carregado de sacos de farinha. Quando já estávamos próximo a Lagarto, na passagem do riacho Urubutinga as águas trazidas pela trovoada tinham enchido suas margens impedindo a travessia. Passamos a noite dormindo sobre os sacos, porém ao amanhecer as águas haviam baixado e pudemos seguir em frente. Ao desembarcar na casa da minha avó, Deodoro saiu correndo na frente pra abraçá-la, mas uma grande travessa cheia de cocada quente estava sob a porta da cozinha e ele deixou sua marca. Uma bela pisada e a sola do pé queimada. Anos depois meus tios se mudaram para Lagarto. Uma infelicidade atingiu o experiente fazendeiro. Durante o trato com os animais no curral ele foi atingido num dos olhos por uma pontada de uma vaca e ficou cego. Foi um momento de tristeza para toda a família, afinal ele era muito querido e brincalhão. Após esse incidente ele vendeu suas propriedades e resolveu migrar com a família para o sul da Bahia onde montou uma serraria. Hoje eles moram em Feira de Santana, mas sempre que nos encontramos é sempre momentos de muita alegria.

Outro período bastante animado era quando o povoado realizava seus festejos natalinos. Isso já em meados de janeiro. Amigos e familiares enchiam a residência dos meus tios. Passeios na feirinha e a noite forró e namoro. Zé Preá, cunhado da minha tia Florípedes abastecia a casa com refrigerantes de gasosa, licores e toda sorte de bebida. Enquanto isso a meninada brincava nos brinquedos da pracinha. Cansados todos procuravam um cantinho para descansar e só eram acordados pelo cheirinho de café que transbordava da chaleira.

VIAGEM À FORTALEZA

Em 1969 meu pai organizou uma viajem à Fortaleza, não sei bem o que ele foi fazer por lá. Viajamos na Kombi de tio Faro. Na frente meu pai e meu tio dirigindo, no segundo banco iam minha mãe Valderez minha cunhada e Elizeu Martins, no terceiro banco mais algumas pessoas que não lembro e eu no meio das bagagens. Para encurtar a viagem seguimos até a cidade de Tucano na Bahia, passamos por Euclides da Cunha até encontramos a barragem de Cocorobó. Próximo ao local meu pai comentou sobre uma grande guerra que teria acontecido ali. Ao chegarmos próximo a grande barragem avistamos um velho canhão que dormia tranqüilo seu sono de batalha. A essa altura o calor dentro do carro já era insuportável, a poeira enchia os olhos e endurecia o cabelo. Lá pára tantas chegamos a Cabrobó na beira do velho Chico e podemos usufruir de sua brisa. Almoçamos e seguimos viajem. Logo adiante encontramos alguns trechos de asfalto. A viajem começava a ficar enfadonha, então meu tio Faro propôs fazer uma brincadeira: os passageiros do lado direito e esquerdo do carro iriam contar o maior número de jegues possíveis que estivessem à beira da estrada e o lado que vencesse não pagaria o jantar. Já estávamos no Estado do Ceará e a conta do número de jegues ia alta. Entretanto, entre um cochilo e outro a brincadeira foi perdendo fôlego e ao cair da tarde ninguém contava mais. Chegamos finalmente ao último posto de gasolina antes de subir a Serra do Padre, Mas não havia gasolina. Resolvemos jantar ali mesmo e buscar o próximo posto. Um sertanejo tinha apontado o "beiço" dizendo que ficava logo ali. Já estávamos quase sem gasolina quando as luzes do bendito posto anunciaram sua presença. Finalmente chegamos à Fortaleza quando a noite já estava dando seu lugar ao amanhecer. No dia seguinte visitamos o mercado municipal onde ganhei um chapéu de couro. A tarde conhecemos a cidade de Aracati onde minha mãe comprou muitas toalhas de renda. No dia seguinte visitamos o Zoológico onde pela primeira vez vi um jacaré e fiquei bastante impressionado. Na madrugada seguinte refizemos o doloroso trajeto, mas com muitas histórias para contar.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

A MOEDA NA PAREDE

Estavam derrubando os casarões antigos para a construção do prédio do Banco do Brasil. Eu brincava com Elmo na porta do Armazém J Vasconcelos quando lá vinha Marinheiro querendo bater em quem dele se aproximasse. Como era nosso costume mexer com aquele doido saímos procurando um lugar para nos escondermos e gritar impropérios contra ele. A parede que separava a casa da esquina - hoje Câmara Municipal - havia desmoronado com a ação dos tratores, apenas um pedaço da velha parede de taipa suportou o desmoronamento, um tronco mais reforçado onde havia um escapa de rede continuava de pé. Procurando o que fazer notei que uma correia de couro se encontrava presa ao torrão grudado na madeira. Começamos a jogar pedras até que o bolo de barro desabou. Era um pequeno saco com uma moeda antiga de cobre dentro. Pensamos ter grande valor, imediatamente procuramos água para limpar o barro e depois na calçada da igreja lixamos contra o cimento. O metal rosa logo apareceu ficando a moeda ficou desfigurada. Procuramos vendê-la, mas ninguém se interessou devido seu estado. Certamente aquela moeda tinha grande valor para quem a escondeu e quem sabe não seria uma espécie de botija? Algum tempo depois a encontrei no fundo de uma gaveta na casa de minha mãe e pude notar que era uma moeda de vintém onde aparecia o ano de 1635. Hoje essa moeda pertence à coleção do meu filho Rafael.

sábado, 10 de maio de 2008

A PAPEIRA

Era um sete de setembro. Vestidos de caçadores eu e meu irmão Deodoro marchávamos no desfile estudantil ao lado da chapeuzinho vermelho, da vovó e do lobo. Uma manhã quente onde as ruas das cidades repletas de espectadores e estudantes abrilhantavam a data da independência. Eu era um garoto de saúde frágil e naquele dia sentia dores no corpo, mas ninguém acreditava achando que eu estava com vergonha de sair fantasiado. Naquela época os colégios circundavam a Praça da Piedade. Quando estávamos próximos a nossa casa, Deodoro começou a passar mal e a professora o mandou sair da fila e o levaram até lá. Eu chorava pedindo pra ir também, mas não fui atendido. Lembro com meus olhos de criança quando avistei minha mãe no andar da casa, e só. Quando fui acordado já estava em seus braços delirando de febre. Passamos alguns dias de cama sofrendo a terrível papeira. O desfile estudantil é sem dúvida o evento mais importante do município, competindo inclusive, com a procissão da Padroeira. Acredito que desde o final dos anos cinqüenta ele acontece. Quando meu irmão Adherbal era presidente do Grêmio Escolar do Ginásio Laudelino Freire, organizava festas para aquisição dos instrumentos que formariam a Banda Marcial. Minha irmã Neném foi princesa Izabel e Baliza. Eu saí de escoteiro, caçador e até na “rabada”. Mas como ficar no último pelotão do colégio era sofrer todo tipo de chacota, tratei logo de aprender um instrumento e participar da Banda.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A BANDA DO SILVIO ROMERO

Eu estudava o primário no Grupo Sílvio Romero e o colégio ainda não possuía banda de fanfarra, apenas um tambor e duas marcações para guiar os estudantes, Seu Joãozinho gritava: marca o passo direito, pisa firme. Lá pra tantas os pés ardendo e sob o calor dos paralelepípedos o sincronismo já não era mais o mesmo. Quando cheguei à quarta série fui chamado para tocar uma das marcações. Meu irmão Deodoro tocava caixa no Laudelino Freire e observando-o aprendi. Cheio de empolgação comecei a treinar os outros dois colegas até que a diretora informou que tinha conseguido mais três instrumentos. Foi alegria total. No dia anterior ao desfile cada um levou seu instrumento para casa para a limpeza e ajustes. A farda dos alunos era a calça caqui de uso diário e camisa de tecido branca, foi aí que eu sugeri a turma fazer uma surpresa e colocar uma fita azul na lateral da calça. Todos combinamos uma da largura de dois dedos, mas não foi o que aconteceu: na hora do desfile aparece um dos músicos com uma de apenas um dedo. Acabei trocando tapas com ele e fomos para na secretaria. Era um garoto sarará que diversas vezes andamos nos estranhando. Como a colégio precisava dos nossos serviços fomos mandados de volta para puxar os pelotões e escapamos da suspensão. E lá fomos nós: pega, pega pra capá. Esse era o som dos instrumentos na interpretação da garotada.

VISITA AOS PRESÉPIOS

Taí algo que sempre foi minha paixão, visitar os presépios nas residências. Eu “viajava” no apagar e acender da luzes coloridas dentro das grutas de papel de cimento, me imaginava um personagem bíblico, principalmente um, dos reis magos. A beleza dos presépios era tamanha que as portas das casas ficavam repletas de pessoas que iam ver por curiosidade ou até mesmo para rezar e fazer alguma doação em dinheiro. Alguns ainda povoam minha memória o de Zé Carlos Carvalho na residência de sua mãe dona Caçula na Praça da Piedade, na minha opinião o mais bonito e tradicional. Pedras que mais pareciam ser verdadeiras, iluminação colorida com pisca-pisca e tudo o mais para criar o clima. Na casa de Seu Santinho Machado o presépio era maior e com elementos populares, casinhas bonecos, bichos de barros etc. da mesma maneira eram os de Dona Pombinha na Praça da AAL, lembro também do de Dona Lia e da professora Darticlea na Rua Cel. Souza Freire, de Seu Zé Francisco na Rua Acrízio Garcez, de Maninho de Zilá na Rua de Estância. Depois a tradição foi sendo substituída pelos shows de bandas da Praça Filomeno Hora. Nos anos oitenta minha mãe adquiriu um presépio de imagens enormes que todos os anos eu montava. Hoje em dia a visita a presépio é uma maratona de pesquisa e poucos achados. Até o presépio que na administração do Dr. João Almeida Rocha era armado na Praça da Piedade foi deixado de lado. Triste fim para uma tradição tão autêntica.

A OINDHA DE NATAL

Além dos brinquedos comuns em todos os parques infantis havia também aqui em Lagarto alguns construídos grosseiramente segundo a sabedoria popular nordestina. A onda ou "oindha" como pronunciavam os menos instruídos, era o que mais chamava atenção dos freqüentadores, devido sua forma desengonçada. Uma grande roda de madeira, onde dezenas de pessoas iam subindo por uma escada colocada pelos trabalhadores do brinquedo, enquanto um trio de músicos composto por sanfona pé-de-bode, zabumba e pandeiro marcava o compasso dos giros efetuados pela grande girândola. Armado bem no meio da Praça Sebastião Garcez, era mais utilizado pelos visitantes vindo do interior do município. A “oindha” subia e descia enquanto dava suas voltas. Após algum tempo e sob os gritos dos que ficavam na parte mais alta, alguém de estômago cheio do arroz de galinha da casa de Rubem ou das goiabadas ganhas no jogo de roleta, vomitava sobre quem estava embaixo. Normalmente os trabalhadores ou alguém mais afoito que tentava subir no brinquedo sem usar as ditas escadas. Outro brinquedo também característico era um grande barco que sempre era armado ao lado da casa de José Correa Sobrinho e que mais parecia uma balsa. Como sempre, animado por um trio de música regional. O barco recebia um grande número de pessoas e faz lembrar o navio viking dos dias de hoje, subindo e descendo sob o olhar curioso dos assistentes. É claro que a comida não podia faltar e entre a casa de José Correa Sobrinho até o armarinho de Belo, existia uma fila de barracas de arroz de galinha, confeitos de castanha e amendoim, bolas de assoprar, bazares, barracas de bebidas e amorosa. Finalmente para matar o tempo e namorar, era de praxe dar dezenas de volta no entorno da praça Filomeno Hora. Ô saudade feliz de um natal que não voltará jamais.

Apesar do tempo fazer suas transformações, tive o prazer de levar meus filhos para brincar nos modernos brinquedos que hoje giram no mesmo local, provocando o mesmo fascínio que os de outrora.


sexta-feira, 2 de maio de 2008

A BARCA DE NATAL

Eu era ainda bem garoto. Na noite de natal gostava de andar nos brinquedos do parque de diversões da feirinha. Como o movimento de pessoas era intenso mal alguém ia saindo à gente tinha que correr para ser o próximo. Eu estava com Santo, meu primo, esperando a barca de Zé Padeiro quando sem prestar atenção fui atingido pelo bico de uma delas, caí desmaiado na hora e fui levado pra casa de Odelite onde acordei sob o olhar apreensivo das pessoas. Após ser tratado pela educada moça, saí assustado imaginando que se minha mãe soubesse daquele incidente não me deixaria ir mais sozinho brincar na feirinha. Com um enorme “galo” na testa, e meio tonto perdi completamente o gosto pelos brinquedos naquela noite, e como não podia voltar para casa tão cedo e ter de mostrar o machucado, chamei Santo para irmos assistir ao filme dos Trapalhões no cine Glória. Naquela época o cinema ficava tão cheio que era necessário fazer várias sessões para atender o desejo das pessoas que vinham do campo para participar dos festejos natalinos. Quando ao final do filme eu ia saindo, de longe meu irmão Deodoro me esperava angustiado e ao me ver foi dizendo que todos me procuravam desde cedo e que nossa mãe estava muito preocupada com o acontecido. Cheguei à casa tremendo de medo, mas fui recebido com os carinhos da velha mãe que cuidou logo do meu ferimento que a essa altura estava pra lá de roxo.

A RADIOFON

Sei que não vivi os tempos áureos da RADIOFON, quando Edinho do Cinema e José Correa Sobrinho comandavam os programas musicais. Tenho lembrança da existência de duas torres uma na Praça da Piedade e outra na Praça Silvio Romero onde as bocas de auto-falantes transmitiam os programas. À noite enquanto as famílias sentadas nas portas das casas conversavam, a voz de Evaristo de Freitas, o Freitinhas começava o programa cantando: "Boa noite amor, meu grande amor...", das oito às dez da noite um programa de variadas modinhas para o gosto da população que pouca diversão tinha. Após o encerramento da programação era hora de “entrar para dormir". Segundo meu amigo José Correa Sobrinho: "Quantos namoros iniciaram ao som de belas canções?" Saudosista ele não cansa de relembrar. Enfim, o progresso chegou e o lado bucólico da cidade foi tragado pelas espinhas de peixe que traziam o sinal da televisão.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

TELEVISINHO

No início dos anos setenta poucas casas possuíam aparelho de televisão em Lagarto. Meu pai adquiriu uma de 21 polegadas e todas as noites a família e vizinhos se aglomeravam para assistir a novela Carinhoso. Elmo, Dodó, as filhas de seu Nicolau, Maria de Dona Ester e tantos outros. Nanam cochilando no canto da sala esbravejava com o Ator Marcos Paulo que fazia o papel de cafajeste. Quando a atenção era total começava a sessão de peidos. Elmo e Dodó botavam pra lá até que um dia meu pai os expulsou não permitindo mais suas presenças durante a apresentação da novela. Após perambularem por algumas casas e serem novamente enxotados terminaram na residência de seu Alcino que ficava em frente a de Elmo. Alguns dias parecem que eles se comportaram bem, mas certo dia começaram a disparar suas bombas. A novela não tinha mais graça e o velho senhor suportando calado. Dias depois resolveu dar fim àquela situação, antes do início da novela colocou água numa chaleira para ferver. Enquanto os capítulos se desenrolavam foi a cozinha e veio com a água quente para jogar sobre os dois. Felizmente não acertou o alvo pretendido, mas Elmo e Dodó acabaram ficando sem vê o término da novela.


VISITANDO ARACAJU/INAUGURAÇÃO DO BATISTÃO

Foi a primeira vez que eu vi o mar. Minha irmã Marielza estava namorando Hugo que depois se tornou seu marido e que morava em Aracaju. Ia acontecer a inauguração do Batistão. Então pegamos o ônibus da Fátima e depois de muita poeira até Itaporanga pude então sentir o prazer de deslizar no tapete negro do asfalto. Ficamos na casa da mãe de Hugo na Rua Bahia, próximo a antiga rodoviária. No dia seguinte fomos conhecer a praia de Atalaia, eu e meu irmão Deodoro ganhamos calções novos e quase enlouqueci ao ver aquele marzão se esparramando na areia. Saí correndo em direção a água e minha irmã preocupada atrás de mim gritando para eu não ir para o fundo. Na verdade quando cheguei próximo a primeira onda voltei com tudo, afinal a água estava fria e eu não nasci para ser peixe. Nunca esquecerei aquele momento de descoberta. A noite foi a vez do Batistão, mas a tarde ainda tivemos tempo de ver de perto a construção do prédio Maria Feliciana. Fiquei com dor no pescoço de tanto olhar para cima. O estádio era grandioso, de todas as ruas iam chegando grupos de pessoas entusiasmadas, enquanto o som dos auto-falantes tocava o hino do Batistão na voz de Luiz Gonzaga. Nas arquibancadas não havia mais espaço então Hugo encontrou próximo ao alambrado um bom local. Eu entendia pouco do que estava acontecendo, o que seria esse tal scratch canarinho? Aos poucos o número de pessoas aumentava ficando mais e mais apertado. Eis que as seleções sergipana e brasileira entram em campo. Fogos e aplausos por todo lado. Hugo apontava: aquele é Clodoaldo o sergipano, Tostão, Pelé, Rivelino, etc. Foram tantos os gols dos canarinhos, acho que 9 x 1, que não dava tempo de respirar. Apesar da derrota da seleção sergipana, o resultado foi positivo. Afinal não era sempre que a seleção vinha a Sergipe. Acredito que talvez essa tenha sido a primeira e que o amistoso mostrava o preparo e a possibilidade de chegar ao México e trazer definitivamente a taça Jules Rimet. Lembro ainda que quem compareceu à inauguração do Batistão recebeu um diploma de sua presença.