sábado, 20 de dezembro de 2008

FILOSOFIA DE NADA

Enoque Araújo é um cidadão cheio de manias e excentricidades, mas como todos seus irmãos de uma inteligência inesgotável. Além de Jornalista sempre é um grande batalhador e defensor dos direitos políticos dos trabalhadores. Esquerdista por natureza sempre teve suas posições polemizadas e poucas entendidas numa sociedade conservadora como a lagartense. Mas aqui vai uma passagem além do que o bom senso e costumes possam merecer. Era uma noite de sábado e naqueles tempos costumávamos freqüentar a churrascaria do Pedro que ficava ao lado da estação Rodoviária. Dezenas de mesas ocupavam a rua e a sociedade local para lá fluía nos finais de semana. Enoque, João Brasileiro (seu irmão) Edilelson de Zé da manteiga, Paulo Correa, Marcos Monteiro, Hermenegildo, Ninha irmã de Enoque e tantos outros que não mais recordo estavam naquele bate papo animado. Toca-se um violão aqui, fala de outro assunto ali e a noite parecia que terminaria mais cedo. Finalmente. Enoque teve uma daquelas idéias brilhantes que só o álcool costuma produzir, propôs realizar naquele instante um simpósio para tratar da importância fisiológica e social da “merda que bate na água e da água que bate na bunda”. Seria um tratado de física ou filosofia? Não importa, deixemos o puritanismo de lado e vamos ao caso. Essa conversa tinha começado lá pela meia-noite quando a primeira rodada de cerveja acabara de ser retirada das mesas. Lembro quando Vasconcelos, filho do proprietário da churrascaria, chegou para nós e disse: pessoal, quantas cervejas vocês ainda vão querer porque o dia já amanheceu e temos de fechar? Pois é‚ já era domingo, um novo dia e ainda muita teoria tínhamos pela frente. Marx, Hengel, Platão, Sócrates, será que os grandes mestres não poderiam solucionar aquela difícil questão? Cansados e embriagados fomos deixando a filosofia de lado e cada um foi seguindo seu caminho para casa. Passaram-se os dias e a problemática foi esquecida. Hoje em dia, fico observando como a maioria das pessoas leva a vida com muita seriedade, assumindo uma postura sisuda esquecendo o tempo das molecagens, tão fértil e descontraída.

PRESÍDIO CABRUNCO

No meu último ano em Lagarto antes da mudança para a Bahia, juntamente alguns amigos compramos um velho Doge Dart para fazer uma fobica e brincar o carnaval. Mandamos arrancar a capota para ficar conversível, colocamos duas bocas de alto-falante presas ao pára-brisa, como a cor predominante era branca pintas umas listas como uma zebra e montamos um sambão. Colocamos o nome do bloco de Os Marginais e o carro foi batizado de Presídio cabrunco. Minha Mãe e dona Dete mãe de Adonias não gostou do nome. Fizemos fantasias de presidiário e a numeração de cada preso era a sua data de nascimento. Paulinho filho Antonio Gonçalves que tinha fama de mentir foi colocado a data de primeiro de abril sem que ele soubesse, o que ele não gostou. Começado o carnaval subíamos e descíamos as ruas de Lagarto. A música de Morais Moreira embalava os foliões naquele ano: “Eu sou o carnaval em cada esquina...” Eram dezenas de calhambeques desfilando pelas ruas da cidade. No último dia quando saiamos da bica após lavar o carro que estava todo sujo de pó, a caixa de marcha encavalou e tivemos de dirigir de ré durante todo o dia. Ao final da tarde na Praça Filomeno Hora, Adonias acabou brigando com seu irmão Jorge e foi instrumento pra todo lado, os ânimos só foram acalmados com a chegada da sua mãe. A essa altura ficamos sabendo que outras fobicas estavam fazendo apresentações na praça da rodoviária. Quando chegamos lá Raimundinho de Nego vinha descendo a escadaria da churrascaria do Pedro com um velho jeep. Resolvemos fazer um derbie da demolição. Batida daqui empurra pra lá e a gritaria aumentando atraindo os olhares dos curiosos. O pneu do doge furou e cada vez que eu acelerava sai faísca da roda. Empurrei o jeep até o paredão da churrascaria e Raimundinho veio com toda amassando o fundo do doge. Não havendo mais condições para continuar a brincadeira e a praça já repleta de assistentes, ficamos com medo da policia aparecer e resolvemos abandonar a praça. O doge não tinha mais condições de funcionar e levamos até um ferro velho onde vendemos. Foi assim nosso ultimo carnaval em Lagarto.

CAGUEI NO QUARTEL

Em 1979 fui passear no Rio de Janeiro onde deveria encontrar dois amigos que conheci em Lagarto, Geraldo e Roberto Willian. Viajei com meu cunhado Mário e Minha irmã Neném, passamos por Ouro Preto, Mariana e Congonhas do Campo em Minas Gerais. Depois da parte histórica e cultural, seguimos em direção ao litoral paulista, Ubatuba, Caraguatatuba, Parati e Angra dos Reis, passando pela usina nuclear no litoral entre São Paulo e o Rio, finalmente acampamos no Camping Clube do Recreio dos Bandeirantes. No primeiro dia nada de novo aconteceu a não ser a temperatura da água do mar que mais parecia sair da geladeira. No dia seguinte quando eu atravessava a pista para ir a praia lá vinha um fusca verde cana com uma prancha de surf em cima e dois garotões gritando, eram meus amigos que vinham de Macaé e trazendo aquele bronze típico dos ratos de praia. Foram dias inesquecíveis e de muitas aventuras. O grande sucesso do momento era a novela Dancing Days e a discoteca do mesmo nome instalada no alto do Pão-de-açucar atraiam turísticas de todos os cantos. Depois de curtimos um cuscuz nordestino em casa de D. Nicinha, mãe de Geraldo, partimos para a noitada. A fila do bondinho era imensa e chegava próxima ao muro do quartel do exército. A ditadura militar ainda comandava e as áreas militares eram restritas a presença de civis. Não era permitido a ninguém passar pela calçada que era guardada por soldados armados com metralhadora. Enquanto esperávamos pela vez de comprarmos os bilhetes da entrada comecei a sentir os efeitos de tanta comida diferente consumida durante mais de quinze dias. No início foi aquele toc-toc na barriga e um frio sem graça. Depois aquela vontade danada, foi aí que falei pros amigos: “tô apertado e se não fizer logo vou sujar a calça.” Geraldo ainda falou: “vamos voltar pra casa”, mas perder aquela noitada nem pensar. Foi então que me surgiu a idéia de usar a casamata que estava bem ali em frente. Enquanto o militar caminhava na direção oposta corri e me deleitei naquele quartinho apertado sob o olhar espantado de Geraldo e Roberto. Como não tinha papel apelei para a cueca mesmo. Felizmente o militar não se aproximou da casamata e pude escapulir sem ser visto. Mas ai, a noite não tinha mais graça e o cansaço do dia de praia só fazia ver uma boa cama. Quando pensávamos que a volta para casa seria tranqüila eis que cai uma daquelas trovoadas que só o Rio de Janeiro conheci e ficamos ilhados em cima de um viaduto próximo a Botafogo enquanto um rio de sujeira corria por baixo. Como não havia outra opção para sairmos e o engarrafamento tornava a situação pior, cada um foi se ajeitando como pôde e dormimos ali mesmo até que a água baixou e o sol começava a despontar novamente. A essa altura o trânsito já era intenso e mais um dia de praia se aproximava. Voltamos para a casa de Geraldo e dormimos até o meio dia. Uma coisa que até então eu não sabia, era que as pessoas iam à praia na parte da tarde e ficando até o por do sol. Aqui no nordeste, no máximo até as quatro. Mas no rio até a noite ainda encontramos pessoas com disposição para um mergulho. E foi aí sem entender muito aquele hábito me deixei levar pela malevolência do carioca. Confesso que ver o por do sol no Leblon, vendo as asas deltas se lançar da pedra da Gávea é algo inesquecível. Mais alguns dias e retornamos a terrinha enfrentando as chuvas torrenciais que caiam em Minas Gerais.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

NATAL NA CASA DOS MONTALVÃOS

Os últimos anos em Lagarto realmente foram incríveis, festas, aventuras, descobertas, etc., etc., etc. Parecia que aquele seria o último fim de ano de nossas vidas, da velha Gang of Down somente eu e Marcos Monteiro mantinha-mos contato constante. Novos amigos estavam incorporados ao dia-a-dia, Fernandinho Montalvão, os irmãos Adonias e Jorge dentre outros.O natal foi algo novo para nós, até aquele ano passar a noite de natal era ficar na Praça Filomeno Hora fazendo mangação dos tabaréus e estourando as bolas de assoprar da gurizada, além é claro de tentar arrumar uma nova namorada. Depois passar por casa, comer o arroz de galinha e ir ao baile na AAL. A ceia na casa dos Montalvãos nos despertou para uma nova realidade de convivência social, muita comida, peru e champanhe à vontade. Seu Fernando como sempre com seu sorriso tímido e Dona Anselma com seu carinho de mãe abraçando a todos.No dia seguinte ficou aquela vontade de quero mais e aí foi que resolvemos aprontar algo diferente. O ano novo se aproximava e bolamos o nosso reiveilon. Organizamos uma grande festa e novamente na residência dos Montalvãos. Além de Geraldo e Roberto Willian uns primos meus que moravam em Belo Horizonte estavam passando férias lá em casa e se incorporaram ao evento e foi uma farra daquelas. A rua em frente à casa de Adonias estava repleta de pessoas que iam e vinham procurando os eventos festivos da cidade. De repente saímos todos fantasiados, cantando e chamando atenção dos passantes espantados que não compreendesse o que ocorria. Acho que foi o último grande momento antes de nos separarmos em busca de novos caminhos.

Ô SERRA LONGE

Eu não conhecia a serra da Miaba, então, num certo dia em companhia de Alex Dias, dos irmãos Pedro e Ricardo sobrinhos de José Correa Sobrinho e Luciano filho de Odilon Mesquita, resolvemos conhecer a famosa elevação. Saímos antes do amanhecer do dia, nas proximidades da Matinha alguns vira-latas nos receberam aos latidos. Não sei bem se foi Pedro ou Ricardo que trazendo uma espingarda velha deu um tiro que acordou os moradores do arruado. Os impropérios vieram de dentro da casa e resolvemos dar no pé. Subindo e descendo ladeiras vínhamos à serra em nossa frente, mas nada de chegar. Quando o sol já estava bastante quente paramos na beira do riacho para saborear o delicioso rango a base de farofa e sardinha. Enquanto eu estava agachado lavando o rosto nas águas do córrego eis que um tiro de revolver zumbiu no meu ouvido e quase caí na água. Quando olhei para trás era Luciano que festejava a pontaria. Atirador do Tiro de 143 acabara de acertar na cabeça de uma cobra que vinha nadando em minha direção. Ainda assustado e sem ouvir direito vi se aproximar um vaqueiro. Ele foi logo perguntando o que estávamos fazendo ali. Enquanto isso Luciano tirava com um pau a cobra de dentro da água. O homem quando viu o réptil comentou que há algum tempo ele vinha em sua caça em virtude de vários bois terem morrido devido sua picada. Algo novo ao meu conhecimento aconteceu, naquele momento ele pegou a cobra e se dirigiu a um grande formigueiro onde a colocou no buraco e como se estivesse viva ela foi desaparecendo. Disse ele que era pra proteger de alguém pisar em seus ossos e ficar envenenado. Finalmente perguntamos se estávamos longe da Miaba, ele sorriu e ao ver a caminhote da SUCAN se aproximando disse que era melhor a gente pedir carona e voltar para a cidade. Chegamos ao entardecer cansados e ao mesmo tempo frustrados de não vermos de perto a famosa serra. Somente nos anos noventa e que tive coragem de refazer o passeio e claro agora de carro. A beleza do mármore branco e dos seus córregos e cascatas, além é claro da famosa caverna, transforma o cansaço num agradável passeio.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A LIRA POPULAR

Meus sonhos de criança eram ser astronauta, ficar invisível e tocar na banda de música, mas minha mãe não permitia alegando que todo músico morria tuberculoso e mais ainda que o músico fosse o primeiro a chegar à festa e o último a sair e que só comia as sobras. Ainda muito pequeno eu saia com Elmo marchando atrás da lira. Quando se aproximava a festa da padroeira eu costumava ir até a regência assistir aos ensaios e desde cedo passei a conhecer cada dobrado interpretado: Silvio Romero, Batista de Melo, Quatro tenentes, Cisne Branco, entre tantos outros. Dia 31 de agosto os fogos de lágrimas explodiam por trás do cemitério e lá vinha a "furiosa". Seu Estênio tocava os pratos e me deixava acompanhá-lo sempre com um sorriso de satisfação. Primeiro a parada na casa paroquial e depois para a casa do padrinho ou madrinha da noite para trazer o ramo até a matriz. Já funcionário do Banco do Brasil solicitei alguns instrumentos de percussão para um projeto que eu desenvolvia no convento das irmãs Venerinis, mas para minha surpresa a Fundação do banco nos enviou uma doação de instrumentos e fardas para filarmônica, imediatamente procurei o senhor Naldinho, filho do saudoso maestro Temístocles Libório, que logo se interessou pelo presente, a lira foi renovada e hoje quando vejo o grande número de garotos que participam dela, me sinto gratificado por de alguma maneira ter contribuído.

ZÉ ATOLADO

A minha casa era um centro de convivência das mais variadas pessoas, ali não se construía preconceitos raciais ou sociais. Na mesma mesa que comia o rico, comia o pobre. Minha mãe adorava servir almoço para os padres durante as festas de setembro. Mas era no dia-a-dia que as pessoas simples freqüentavam com maior freqüência. A porta dos fundos que dava para a Rua Senhor do Bonfim era o contato mais fácil. Ali ficava a cozinha e onde minha mãe trabalhava. Sempre aparecia alguém para conversar, dá uma mãozinha ou mesmo ser convidada para um lanche ou almoço. Assim, não posso deixar de registrar a presença de Deca ou Zé Atolado. Era ele um sujeito simplório quase da família e que freqüentava a casa desde garoto. Trabalhava como ajudante de pedreiro, mas costumeiramente era enganado pelos contratadores dos seus serviços, uma vez que era analfabeto e não conhecia o valor das cédulas. De família pobre conhecida por "letrados", morava com sua mãe no bairro Pacheco. Motivo de risos por sua maneira infantil comia muito pouco, era franzino e não gostava de banho. Quando lhe era oferecido almoço dizia que só queria um cafezinho. Gostava de ouvir rádio e era fã de Josa o Vaqueiro do Sertão. Quando diziam a ele que a rádio estava lhe mandado um alô ficava todo contente e cantava a música “Na sombra da jaqueira”. Certa feita os pedreiros de uma construção que meu pai fazia resolveram dar um banho em Deca, ele ficou danado, afinal banho era vaidade demais. O resultado é que ele ficou alguns dias doente e desapareceu por vários meses com raiva do pessoal. Mas como na sua inocência não ficavam mágoas, sabendo que meu pai se achava adoentado apareceu para uma visita. Ele costumava chamá-lo de seu Adalbelto. Sim, o nome Zé Atolado foi dado justamente porque quando preparava a masseira acabava se misturando ao material. Há poucos anos atrás morreu Deca no hospital João Alves em Aracaju e o laudo do necrotério acusou a morte por inanição. Não que lhe faltasse quem lhes desse trabalho ou comida, mas na sua simplicidade se negava a receber pelo que não trabalhou. Só um cafezinho!

ACORDANDO COM MÚSICA

Como dizem os antigos: "nasci e me criei" ouvindo música. Minha família tinha a tradição de gostar dessa arte. Um avô do meu pai tocava na banda de música de Campo do Brito ainda no século XIX. O meu avô paterno era músico dessa mesma banda. Meu pai e alguns dos seus irmãos tocavam violão e acordeom. Meu bisavô Hipólito Santos era músico e conduzia a Euterpe Lagartense. Meu avô materno seguia os passos do seu pai. Minha irmã Marielza tocava acordeom e piano. Meu irmão Adherbal foi sócio da banda Parada Seis. Meu irmão Hermes é um grande colecionador de boleros. Meu irmão Epitácio também mexe com alguns instrumentos e eu o que mais se dedicou a, arte batalhei durante vinte e dois anos. Afinal, uma família de músicos. O mais interessante é que sempre houve democracia quantos aos nossos gostos e preferências musicais e a prova disso é que todos tinham o seu momento de usufruir da radiola. Mal o dia amanhecia e tava lá meu pai acordando a todos ao som de dobrados da banda da policia militar do estado de São Paulo ou do Corpo de Fuzileiros Navais, num outro dia com Gerson Filho puxando a sanfona ou ainda Amália Rodrigues e seus fados. Eu era apaixonado pelos Beatles e existia lá em casa metade do LP os reis do Iê, Iê, Iê, metade porque o disco estava quebrado até a segunda faixa. Algum tempo depois meu pai comprou um acordeom e tome valsas e forró. Vieram as músicas sacras, minha mãe depois de visitar Aparecida do Norte trouxe uma gravação da missa da padroeira do Brasil. Durante muitos anos haja missa. Quando já estava bastante debilitada pela doença que lhe trouxe a morte eu sentava em sua cama para cantar e tocar ao violão os hinos que ela gostava de ouvir. Hoje meus filhos Thiago e Rafael continuam levando à frente o gosto pela música e já possuem seu próprio grupo. A vida se repete. Infelizmente ela é cheia de imprevistos que a torna complexa. Por um longo período a música ficou muda em nossa casa. Após a morte do meu irmão Adherbal, minha mãe não permitia ligar a radiola e somente pela televisão que os acordes teimavam em encher o lar de alegria.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TINHA ALMA DEMAIS

Depois de muito inventar, eu e Adonias resolvemos participar da procissão da Encomendação das Almas. Para quem não sabe o que é, trata-se de uma manifestação religiosa onde homens saem pelas ruas vestidos de brancos durante a madrugada da sexta-feira santa para rezar em lugares onde aconteceram tragédias ou possuem importância religiosa ou necessidade de orações. Aquele dia foi de chuva e a noite na hora da saída do grupo fazia frio e uma fina garoa caía insistentemente. Com os lençóis embaixo do braço que serviriam de mortalhas seguimos para a casa do Sr. Temístocles Libório de onde sairíamos. Maninho de Zilá chamou a nossa atenção para o sentido religioso da Encomendação e nos colocou na frente do cortejo, cada um segurando a lanterna e conduzindo o grupo. No meio ia Rubem carregando a cruz. Iniciamos pelo cemitério onde eu procurei ficar de costas para não arriscar ver alguma alma assistindo o evento, passamos pela Rosário onde Maninho saiu do cortejo e foi reclamar de um grupo de rapazes que bebiam e ouviam som num carro. Seguimos então, pela antiga cadeia na Rua Cel. Souza Freire, pelo local da forca na Praça Filomeno Hora e como a chuva não parava resolveram retornar passando por último na igreja matriz. Como manda a tradição a igreja fica fechada na noite da sexta-feira santa e o grupo se reúne na frente da porta principal para fazer a última oração que é o Senhor Deus. É um momento de muita compenetração, somente o cantor fica de pé. Naquele instante eu e Adonias ficamos próximos um do outro e ele falou baixinho para mim: Floriano você já viu tantas almas assim? Devido à chuva poucos formavam o grupo, mas não sei como, ao olhar para trás naquele momento parecia que toda a frente da igreja estava tomada de penitentes. Mal Maninho de Zilá acabou o canto, tocaram a matraca e todos saímos quase que atropelando uns aos outros. Quando chegamos de volta à casa do Seu Temístocles ninguém comentou o fato. Morrendo de medo tanto eu quanto Adonias disparamos de volta para casa e nunca mais quisemos saber de Encomendação.

CARREIRA DA MOLÉSTIA

Certa feita Adonias me chamou para irmos ao sítio de seu avô "Didi", tirar caju. O dito sítio ficava próximo ao Pacheco e logo na frente tinha um tanque onde o velho mantinha alguns animais de criação. Ele foi entrando e chamando pelo avô, mas esse não respondeu. Então seguimos até os cajueiros que ficavam atrás de uma velha casa de taipa. Parece que aquela tarde não era boa para chupar caju. Logo desanimamos do passeio e resolvemos retornar para casa. Quando passávamos pelo arame que dividia o pomar do pasto da frente, eis que seu Didi pensado que nós éramos moleques roubando frutas começou a gritar e vindo em nossa direção com um facão em punho parecia que ia atacar-nos. Não conversamos, saímos correndo e ao contornar o tanque uma vaca se assustou e arremeteu contra nós. Aí foi que eu vi a situação ficar preta: de um lado o velho correndo e do outro o animal fazendo risco no chão. Não deu, outra nos enfiamos pelo arame farpado e num piscar de olho já estávamos do outro lado da cerca. Não sei se por gozação, ou não. Adonias ainda disse: “corre que vovô ta vindo e se descobrir que sou eu vai contar pra minha mãe”.

FILMANDO EM LAGARTO

Em 1980 chamei alguns alunos do Colégio Salete para rodar pequenos filmes. Eu pretendia realizar A História Segundo Floriano que seriam tiras satíricas do cotidiano. Na época a questão do bebê de proveta ainda era vista como algo extraordinário. Rodamos a primeira parte com Everaldo filho de Zé Preá sendo o bebê de burreta. No dia seguinte com o cemitério lotado rodamos o enterro em que o defunto ressuscitava, Os acompanhantes eram Neguinho filho de nego de pequeno como o padre, Dodó, Acácia, sendo os carregadores do caixão ..... e Nainho (Elioenai) o defunto que acordava. Alguns dias depois foi a vez do comício onde irresponsavelmente colocamos figuras como Jesus Cristo, Hitler, Tio Sam e representantes da Igreja católica juntos no palanque. Algo engraçado aconteceu quando durante as filmagens realizadas em nosso sítio da Cidade Nova, lá vinha Lourival Santos vestido de Jesus Cristo e montado para o comício, meu pai que estava presente e se divertia com as minhas estripulias gritou: Jesus Cristo seu peste você cai do jegue! Depois foi a vez de o grupo folclórico os Cangaceiros organizar a batalha. Zé Padeiro e seu grupo acabaram fazendo uma grande bagunça onde os cangaceiros em vez de atacarem fizeram um grande forró. Infelizmente nessa época as câmeras e vídeo começaram a entrar no mercado pondo fim aos cineastas amadores e criando filmadores domésticos.