sábado, 26 de abril de 2008

O PAPA-FIGO

A cozinha da casa dos meus pais dava para a rua do fundo (Rua Senhor do Bonfim) como chamávamos. Um grande janelão de madeira e vidraça fornecia vista privilegiada daquela ruela apertada. Na verdade aquele compartimento era o centro da vida de nossa família. Minha mãe gostava de sentar nos degraus da porta que dava para a rua e ficar trabalhando no feitio de flores e outros artesanatos que gostava de produzir para enfeitar a casa e ganhar algum dinheiro, que ajudaria no orçamento doméstico. Nanam por sua vez, cantando e cozinhando, e claro, eu e meus irmãos esperando alguma sobra de doce e bolos que por ventura aparecesse. Vez outra uma vizinha chegava à porta e trocava um dedo de prosa. Era assim o dia-a-dia da minha casa quando minha mãe ainda tinha saúde para trabalhar.
Numa certa tarde, após saborear o pirão de ovo, Nanam trancou rapidamente os janelões e a porta que dava para a rua. Todo mundo ficava olhando pelas gretas e falando baixinho. É o papa-figo comentava alguém. Lembro da sua roupa vermelha e que mais parecia um rei mago. Eu morria de medo, pois os adultos falavam que eles roubavam as crianças tiravam seus órgãos para implantar em crianças ricas doentes. Aquela altura o pirão começou a embrulhar no estômago. O homem olhava em direção a nossa casa e falava coisas incompreensíveis, fazia gestos, levantava e mexia num saco cheio de cacarecos. Finalmente a paz voltou ao ambiente após a saída do papa-figo da vizinhança.

Um comentário:

Thiago Fonseca disse...

E a cada leitura conheço mais da minha História, já que começa lá atrás, na formação de vida de meu pai.